quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Nem sempre tão divertido assim.

As aulas de Educação Física nas escolas são cercadas de situações que são muito particulares à própria disciplina em questão. Muitos alunos aguardam ansiosamente por este momento, pois para muitos, trata-se de um momento prazeroso e de extravasar as emoções e muitas vezes pressões e cansaço que existem em sala de aula. Por conta disso, algumas situações estereotipadas são vinculadas à imagem que se tem das aulas de Educação Física que são meramente mitos. Mitos estes que gostaria de arriscar-me a escrever algumas linhas e abrir um debate saudável e produtivo sobre a temática.


De volta ao trabalho na escola desde o início do ano, vejo que um dos mitos que me preocupam e que o senso comum não percebe e muitas vezes nem professores e nem componentes da escola se sensibilizam é o mito de que Todos adoram a aula de Educação Física.

É fato que a aula é comemorada por grande parte e maioria da turma. E só este fato já deve ser olhado de diversos pontos de vista, já que muitas vezes a aula é a mais esperada porque e própria confunde-se com um "Recreio 2 - A missão", ou um encontro de amigos para jogar uma "pelada", tornando-se uma prática sem contexto pedagógico. Isso infelizmente acontece muito, mas será tema de um futuro post que tratará de outros  mitos da Educação Física trabalhada na Escola.


Pois bem, enquanto diversos alunos comemoram a chegada da tão esperada aula, este é um momento que causa pavor em alguns outros. Não estou exagerando. Com o tempo de aula e vivências de casos com alunos que não gostavam da disciplina, tenho relatos em que alguns me contavam que dormiam mal no dia que antecedia a aula de Educação Física. Tudo isso porque temos alguns pontos deterministas que tomaram conta para a participação desta aula. 

Muitos acreditam que para participar das aulas é preciso ter completo e total domínio das habilidades motoras utilizadas para as práticas esportivas (Conteúdo basicamente hegemônico nas aulas). Além disso, na aula prática, os alunos ficam muito expostos aos colegas e isso gera um tipo de intimidação. Vergonha do corpo e de sua exposição, fruto de uma exacerbação do culto ao corpo que temos na sociedade, na mídia vendendo produtos e propagando programas exaltando o "corpo perfeito". Estas informações de alguma forma são introjetadas e repdroduzidas pelos estudantes, principalmente na fase da adolescência, onde os jovens encontram-se cheio de mudanças corporais, dúvidas pessoais e perdem um pouco daquela ingenuidade do participar e se divertir em troca de uma malícia e observação crítica das situações de aula.

O que mais assusta nestas questões é que em diversas escolas espalhadas pelo Brasil, o estudante pode não participar das atividades trocando a participação de aula por trabalhos escritos. Outras vezes a avaliação do aluno fica apenas no campo comportamental, não sendo avaliado se ele teve uma efetiva participação e envolvimento na disciplina. Pelo contrário, avalia-se o seu caráter se ele é "gente boa" ou se é um aluno que "dá trabalho" e assim a sua avaliação em Educação Física está pronta. Já em outros lugares os alunos são "obrigados", como qualquer outra disciplina, a participar. Muitas vezes participações que contém provas práticas de flexões, abdominais e tempo de corrida. E assim, com esta diversidade de atuação da área, vamos mostrando e passando a mensagem de que a Educação Física  é a penas um complemento, não serve para nada, não cai no vestibular, e por isso, não tem a sua relevância. 


É óbvio que não acredito nisso e escrevo estas últimas palavras até com tristeza, mas é o que muito acontece em diversos locais. Falo isso com muita tranquilidade, pois quando sou questionado por novos alunos do porquê de fazer a aula, dentre vários outros que querem começar logo a aula gritando e pedindo agilidade minha para dar início as atividades, pego este aluno no "cantinho" da quadra e o encho de argumentos que podem sim ser colocados para que o próprio reflita um pouco sobre sua efetiva participação. Desde a questão de ser um componente curricular, passando pela questão moral de respeitar o gosto contrário do aluno (Normal, somos seres com uma diversidade incrível de gostos), mas que respeitem e se comprometam a tentar participar (Pois na vida não fazemos apenas o que gostamos e quando queremos), até passando pelas questões da formação motora (Mais um tema futuro a ser abordado neste relato sobre quebra de mitos) e o caso do sedentarismo que assola não só adultos como crianças no mundo hoje em dia. 

São diversos os argumentos que aos poucos você pode tentar ir colocando para o seu aluno, mas de uma forma que este crie vínculos e que sua prática tenha sentido e contexto dentro da produção da turma. A "batalha" para conquistar este tipo de aluno é grande, mas com uma recompensa enorme para quem acredita em educação, isso porque muito dos que não gostam de participar de uma atividade coletiva nas aulas, temem a própria exposição e não são contrários às propostas, mas sim, sentem medo de algo dar errado e virarem motivo de brincadeiras de mau gosto ou de serem ridicularizados perante sua participação.

Quando este aluno vence este medo, torna-se outro dentro de uma aula e começa a ter reais e significativos aprendizados, não só de suas ações motoras que certamente evoluem, por agora passar a arriscar-se frente aos colegas de sala, mas também evoluem quanto à questão relacional, dividindo tarefas com seus colegas, pensando em solucionar problemas do jogo ou da atividade proposta em conjunto, avaliando o que fazer e como fazer diante da sua capacidade e da de seus colegas.


Existem muitos alunos ainda pelos "cantos da quadra", tímidos, ferozes e relutantes em participar. Mas cabe a nós transpormos essa barreira com eles e por eles, para que estes jovens tenham a chance de se descobrirem mais e mais a cada dia. Eu me orgulho de cada aluno que um dia me deu a chance de tentar enfrentar estes desafios e que dentro das práticas, sejam esportivas ou outras propostas em aula, tornaram-se alguém melhor, alguém capaz de arriscar-se a errar, a aprender e a se conhecer melhor.

É comum o professor de Educação Física andar pelos corredores da escola e ser abraçado pelos alunos, e querido por boa parte da turma, mas dentro dessa visão romântica está escondido um jogo obscuro que nem todos sabem e nem todos enxergam. O professor de Educação Física precisa saber discernir sobre a real importância de sua aula e que nem sempre apenas o "divertido" pode imperar. Claro que devemos sempre tentar tornar a aula um acontecimento o mais prazeroso possível, mas o professor deve estar convicto de que existirão momentos onde o aprendizado deverá estar acima da busca por uma aula divertida.  Temo escrever isso e ser mal compreendido. Mas como um aluno que ainda tem muito a aprender, tenho aberto mão de meus medos para me expor mais e aprender com os debates sobre esta questão. 

Há sempre aquele comentário na sala dos professores quando um outro professor, com uma língua mais "afiada", vem provocar dizendo que é fácil ser adorado em Educação Física porque não tem prova, porque a aula é sempre alegre e porque é só rolar a bola que eles se divertem. De tão comum, cada vez que vejo um comentário de um professor assim na minha frente, sorrio como forma de agradecimento, mas respiro fundo, fecho brevemente os olhos e peço mais força a Papai do Céu porque sei que será mais um dia de "intensa luta" contra um senso comum que domina a área que escolhi para trabalhar. 

Há muito o que fazer ainda.

2 comentários:

Mari Moura disse...

Quem escolhe trabalhar de forma correta hoje em dia está fora do padrão... por isso o senso comum nos ataca e precisamos de forças superiores para continuar.
A sua luta não é nada fácil, pois seria muito cômodo apenas receber os abraços dos alunos no corredor e dormir com a sensação plena do dever cumprido... mas quem disse que o aparentemente mais cômodo é que dá resultado? É o que te faz escrever mais e futuramente produzir cientificamente? (apenas uma ideia, rs).
O que é cômoda está ali, ao alcance de qualquer um...
Só que ser qualquer um cansa e não dá em nada!
Força e pé na tábua! Chegaremos lá!

Rodrigo Galego disse...

O mais triste de tudo Mari é que pra alguns não cansa e dá em tudo(emprego garantido).

Mas é fato que aos poucos vamos fazendo diferente(O diferente que quero dizer é o modo correto) e vamos mudando a cabeça de alguns. E essa semente certamente germina.
Sabemos disso porque somos frutos disso.

Grande beijo e obrigado pela presença sempre!