segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Quando a boa formação está ao acaso.


No último sábado encontrei um colega de profissão. Nunca trabalhamos diretamente juntos, mas pertencíamos a mesma instituição. Dos breves encontros pelos corredores, sempre uma conversa rápida e uma admiração pela retidão profissional e tudo parava por aí, não tínhamos muito mais o que dizer. Mais a frente, acabei sendo professor de seu filho, e aí, deixamos este acontecimento ajudar em nossas conversas. Falávamos um pouco sobre o desenvolvimento de seu filho, sobre o ensino nas séries iniciais, e claro, falávamos um pouco de Educação Física.



Neste sábado em um encontro casual, rapidamente falamos sobre seu filho, no qual não dou mais aula. Falamos sobre as dificuldades e medos que as crianças enfrentam muitas vezes nessa descoberta da formação escolar, esportiva e pessoal. No meio dessa conversa, este meu colega me confidenciou que havia colocado seu filho em uma escolinha de esportes, mas que não durou muito tempo. Com o passar das aulas e o acompanhamento feito pelo pai, ele me contou que não gostava da maneira que o professor lidava com as aulas e alunos. Me contou sobre como o professor usava das aulas apenas para brincar, aleatoriamente com os meninos, como não havia feedback sobre a aprendizagem dos pequenos praticantes e como o professor atuava de forma omissa, sentando-se ao canto e deixando os meninos apenas jogarem, chamando aquilo de formação esportiva. Por fim, este meu colega de profissão, me confidenciou que se sentia sem graça de conversar com o professor, pois ele era "boa praça", e que preferiu mesmo tirar o filho de lá.

Entre uma educação ao acaso e uma brincadeira na rua, qual a diferença?

É claro que o pai agiu corretamente em tirar o filho de um trabalho que diz que vai formar a base esportiva e motora da criança e que na verdade trabalha ao acaso. Pensem comigo: se deixarmos os meninos na rua brincando, é bem provável que os meninos também se desenvolvam. Mas este desenvolvimento fica ao acaso, não recebe estímulos externos e não tem uma programação para tentar desenvolver outras potencialidades que o garoto possa demonstrar ter defasagem. Sem contar que nessa idade de formação, é fundamental a fala do professor pra lidar com os diferentes acontecimentos que cercam um jogo. É importante trabalhar os valores do jogo, onde nem sempre os melhores vencem, onde nem sempre perder é significado de menor entrega, capacidade ou dedicação. Mas, quero deixar claro, que trabalhando ao acaso, se deixarmos nossos alunos "livres" com o discurso de que "não estou fazendo especialização precoce", tudo pode acontecer, pro lado bom e ruim da formação.

Apesar de falar bastante sobre esse caso, o que mais me chamou atenção eu pouco enfatizei. O que mais me chama atenção negativamente e que quero começar a escrever sobre isso, é o caso do "boa praça". Diversos professores espalhados pelo Brasil, se escoram no carisma, no "gente boa", para darem suas aulas. Não estudam, não se reciclam, não tentam entender a demanda do local onde lecionam e tentam tratar com sorrisos, piadas, frases prontas e causar esta sensação que deu no pai que me confidenciou o caso que contei. O pai se sentia deslocado em exigir uma aula de qualidade pro filho, tudo porque o professor era uma "figura bacana". Somos por diversas vezes protecionistas a este tipo de caso. E saibam que não estou falando de professores de escolinhas apenas. Estou falando de professor de educação física em geral. Do ensino infantil, das academias, dos que atuam em empresas, passando por ensino fundamental, médio e certamente, ensino superior(graduação, especialização, mestrado e doutorado).

Improviso, frases prontas e carisma. Precisa algo mais?


Quando chega na área acadêmica então, a coisa se complica mais ainda. Muitos professores se aproveitam de suas titulações, pra afastar o seu nível conhecimento do nível de conhecimento dos alunos.Assim,  pouco estimulam seus alunos a desenvolverem a capacidade crítica de suas próprias aulas. O que acontece, é um silencioso pacto medíocre de "eu finjo que dou aula e você finge que aprende algo". Já passei por isso quando aluno. Não entendia a ligação entre o que o professor passava e o conteúdo que deveria ser trabalhado. Mas o professor era bacana, gente boa, amigo e eu achava que era aquilo mesmo então. Depois de estar formado, de começar a dar aulas e ver o que me faltava, descobrir minhas lacunas e conhecimentos que deveria buscar, descobri que muitos professores se aproveitam dessa relação hierárquica que existe na educação. "Eu sei mais que você, então você não tem capacidade para me questionar" Isso acontece muito! Muito mais do que possamos imaginar. E o que fazemos? Nada! Ou quase nada! Muitos agem como meu amigo me contou. Preferem esperar o fim do que tentar questionar,  e tentar ajudar não só o professor a melhorar, mas também a instituição ter uma aula com maior qualidade. Já vi professores doutores ensinando metodologias na universidade que contradiziam tudo o que eu estava estudando. O que ele pregava era tido com antigo e perigoso de se fazer. E sabe o que fiz? Me calei. Havia prova de avaliação do curso e eu me dizia: "Sou garoto, não tenho tanto conhecimento assim, como posso  avaliar um professor que já é doutor?"

Enquanto alunos, parecemos ter "preguiça" de mudar o que está errado.


Triste arrependimento, pois olhando agora pra trás, vejo o quanto contribuí para uma má formação de outros alunos que lá estudam hoje em dia. Não sei se mudaria algo, mas é aquela história de fazer a sua parte e ser condizente com o que se diz e se faz. Não estou fazendo uma apologia ao protesto, brigas e discussões. Estou apenas querendo ressaltar que você tem o direito de ter uma boa aula. Portanto, exija isso, de forma educada, inteligente, mas exija. Por vezes falo isso aos meus alunos da escola, é claro que devo errar a mão diversas vezes em minhas aulas, e os estimulo a me criticarem. Mas não a crítica pela crítica, estimulo uma crítica que tenha fundamento, novas propostas e uma ideia de melhorar a qualidade do ensino. Devo muito da minha evolução docente aos meus alunos. Isso é fato. Não tenho medo de ser julgado por eles, pois estou aberto as críticas, ao debate e as mudanças, mudanças minhas e deles também.

Bom de conversa, boa praça e não quer nada com o trabalho. Já viu gente assim lecionando?


Já vi professor universitário que dava aula a noite, um dia fixo na semana, com sua aula marcada pra terminar às 22h50, terminar sempre às 21h30. Por semana, ele negligenciava 80 minutos de aula. Consegue, imaginar o quanto de aula a menos ele dava por ano? Ruim essa situação, não é mesmo? Sabe o que os alunos achavam disso tudo?

"Maravilha! Esse professor é ótimo. Sempre termina mais cedo no dia que tem futebol na tv!"


Que tipo de ensino você quer? Você anda sendo crítico e contribuindo pra melhoria de seus professores e da instituição que você estuda?

Está na hora de começar a fazer algo. 


Pense nisso.


Abraço à todos.


PS: Quero deixar claro de que se estou aqui escrevendo isso, é porque lamento maus professores ocupando tantos espaços, pois eu tenho a certeza de que existem professores fantásticos, envolvidos, carismáticos, outros mais reservados, mas acima de tudo profissionais fantásticos, com sede de aprender, evoluir e levar seus alunos a melhorias sempre. Sou fruto de diversos desses. Não quero parecer que não acredito na profissão. Apenas estou tentando mostrar o quanto deixamos os medíocres dominarem os espaços existentes.

sábado, 10 de setembro de 2011

Sobre alunos e professores

Ontem em uma aula de educação física na escola, programei uma situação onde meu objetivo principal era fazer com que os alunos percebessem a necessidade de organização em diversos tipos de atividades, desde brincadeiras, até jogos esportivos. Tenho tentado mostrar aos alunos que o que nos acontece nos jogos é um pouco reflexo do que somos em sala de aula e por que não dizer na vida. Como planejado, alguns jogos geraram diversos conflitos de organização e como já esperado, tive de ir aos poucos intervindo tentando ajudar os alunos a perceberem que se organizar é uma tarefa que não garante o êxito, mas que te mostra caminhos escolhidos e a longo prazo pode ser capaz de te mostrar o que você pode fazer para melhorar.


Além disso, a riqueza de trabalhos assim é ver o quanto eles ainda têm dificuldade de se relacionarem e entenderem que nem todas as ideias podem ser assimiladas e praticadas ao mesmo tempo. Tudo então se torna um processo e o importante disso tudo, é ao final da aula, tentar avaliar os erros e acertos e quais tentativas ainda podem surgir para as próximas situações de aula. 

Mas confesso que uma fala de um aluno hoje me chamou a atenção e me lembrou algo que pensei recentemente. No meio do jogo, este aluno notou que sua equipe não conseguia manter a sua prévia organização. A equipe deu diversas ideias para serem praticadas no jogo, mas de acordo com a imprevisibilidade do jogo, com a atuação e oposição do adversário e a pouca comunicação entre eles, muitos começaram a tentar encontrar soluções sozinhos, o que acabou não dando um efeito positivo pra equipe (nem sempre é assim, as vezes reações assim acabam dando certo e é preciso saber intervir) e a partir daí a equipe começou a se desmotivar e a atuar pouco coletivamente. Percebendo este fato, fui em um aluno que considero influente na equipe e em meio ao jogo acontecendo o questionei do porquê que eles não tentavam se organizar pra melhorar a partida. Ele de uma forma um pouco desmotivada me respondeu: "Eu estou tentando, mas o grupo não quer ajudar!" 

Muitas vezes é bem mais fácil resolver os problemas do jogo sozinho com suas próprias habilidades.
Pensei rapidamente sobre essa resposta e perguntei a ele quem era esse grupo. Ele rapidamente me disse que era sua equipe. Aproveitando essa deixa, tentei questioná-lo se ele não fazia parte desse grupo e se talvez ele também não estivesse tentando o necessário para tentar melhorar. Disse a ele que muitas vezes quando vemos as coisas difíceis, acabamos por falar dos outros isoladamente como se não fizéssemos parte disso. Tivemos uma boa conversa, apesar de rápida, e levamos essa discussão para a conversa final da aula.

Esse fato me lembrou que dia 1º de setembro tivemos a "comemoração" do dia do profissional de educação física. Sinceramente não ligo muito pra esse dia que foi criado muito mais por uma tentativa de legitimação do conselho federal de educação física do que por qualquer outra coisa. Pra mim, nosso dia é 15 de outubro, dia do professor, pois assim me sinto, um professor acima de tudo. Mesmo falando assim sobre essa "data festiva", não vejo muitos motivos para festas, nem também recuso os parabéns pela data. Penso que com essa data até tenho chance de falar um pouco mais sobre minha área de atuação onde trabalho. Mas as coisas param por aí. Quando vejo tudo o que cerca essa data, vejo dois extremos que me preocupam. Primeiramente os relatos que vejo sobre o curso de educação física, vejo professores muitas vezes com anos de carreira em faculdades, com títulos acadêmicos, dando os parabéns para os professores, dizendo que a área é relevante porque gera alegria, porque é muito bom dar aula, porque os alunos são bacanas. Sinceramente, não é isso que me motiva na área e talvez relatos como esse me causem mais tristezas do que alegria. Há muito tempo vejo as pessoas resumindo a nossa área como a área da diversão. Amo o que faço e claro que me divirto com isso. Mas não seria a palavra que eu usaria para resumi-la.


Por outro lado vejo muitos indignados com as condições de trabalho e seus salários, seja na escola, academia ou onde quer que seja. E muitas vezes estes "colegas" apontam dizendo que não dá pra fazer muito com um reconhecimento assim. Do mesmo jeito que vejo muitos protestando contra o trabalho do conselho federal e regional de educação física. Acho bacana a iniciativa de tentar fazer a diferença, mas me incomodo quando vejo que muitos que reclamam, trocam suas energias que poderiam ser também canalizadas para investirem em fazer boas aulas, e estudar mais a área, para ficarem no campo dos protestos, e assim,  não "dão o gás" pra tentar fazer a diferença dentro de seus trabalhos. E aí me lembra muito meu aluno da aula de ontem. É como se muitos professores que protestam dissessem que ele está tentando fazer algo bacana, mas o grupo (sociedade, leis, administradores) não está querendo.

E quem é este grupo então? Somos nós, professores que devemos hoje em dia lutar por uma aula melhor, por oferecer um conteúdo significativo aos nosso alunos e devemos tentar ressignificar a nossa imagem de "oba boa". Me cansa ver professores que escoram seu trabalho apenas em seu carisma, que querem ser "gente boa" pra não serem contestados. Atuarem de forma permissiva pra não levarem problema pra casa. Esse sim, ao meu ver, é um grande desafio que devemos tentar mudar sobre o professor de educação física. Muitos reclamam com razão daquele professor "rola bola" que não tem nada a acrescentar. Mas também deveriam criticar aquele que não ensina direito os movimentos, que não incentiva a aprendizagem motora com um discurso falso moralista de que trabalha o social em prol da formação humana.

É mentira! Estamos cheios de professores em nossa área que não estudam e trabalham com os conceitos e teorias apenas vindo da faculdade. Não se renovam e ficam se prendendo a antigos discursos porque querem o mínimo de problema possível, como se nas outras áreas fosse tranquilo trabalhar e não houvesse problemas. Ainda existem aqueles que dispensam os alunos mais cedo porque a aula é pratica e com poucos alunos vai acabar deixando todos muito cansados, como se não houvesse mais o que se aprender além da prática. Isso existe muito em diversas escolas e (pasmem) em faculdades. A mensagem que está sendo passada é essa: Não temos tanto assim pra acrescentar em nossos alunos. Esse lado eu  realmente não aguento mais e vejo muitos atuando como se fossem pequenos alunos, reclamando do grupo, das condições "do jogo", mas fazendo pouco por ele. Por isso, quando sou parabenizado e questionado do que eu acho do dia do profissional de educação física, ao invés de fazer um discurso político contra tudo, prefiro ter a chance de falar sobre nós professores, que ainda estamos devendo em nossas atuações.

Nessas duas últimas semanas estive participando de algumas aulas no ensino superior de educação física onde o tema era sobre a intervenção pedagógica na escola. Tentei falar sobre isso. Apontei situações de êxito que obtive em meus trabalhos, mas tentei não deixar parecer que tudo é "bonitinho", porque não é. Nessas aulas pude ver diversas pessoas que querem encarar a escola e tentar fazer algo bom com o que tem e isso me deixou profundamente motivado. Mas sei que lá dentro o perigo é de muitos se contaminarem com os "zumbis da educação" (farei um post melhor em breve sobre esse termo) que não querem trabalho.  Trabalhar dá trabalho e você não se diverte o tempo todo. Mas pra quem acredita no que faz, o produto ao longo do tempo é recompensador. Para alguns é recompensador porque o trabalho é "sossegado" (infelizmente já ouvi muito isso), mas enfim, nessas horas descubro que meu aluno que estava desmotivado na minha aula por causa do problema difícil de resolver no jogo, mal sabe o que espera por ele. Lá na frente ele descobrirá adultos que dão aulas sorrindo e brincando, mas que por trás não aguentam mais a área e que querem se ver livre daquele trabalho. Espero ajudar estes meus alunos a compreenderem que esses desvios existem, mas podemos fazer diferente.

Não pense que esse meu post me mostra pessimista pela minha área de atuação ou que penso que a grande maioria dos professores não prestam. Muito pelo contrário, sou apaixonado pelo que faço, pelo que estudo e pelo que aprendo com meus alunos e sei que existem muitos professores envolvidos, capacitados e que não se rendem às situações de adversidade que lhe aparecem. Mas penso que hoje em dia precisamos expor mais aqueles que enganam dentro das academias, salas de aula e quadras em nosso País.

Eu me decidi, pelo menos no dia de hoje, a falar e fazer um pouco disto.

Espero nos encontrarmos em breve por aqui.

Abraço à todos