segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Ser professor não é apenas dar aula.


Foi a paixão pelo esporte que me levou a ser quem sou. Desde garoto já vendo que não tinha tantas habilidades assim, sonhava em ser técnico esportivo. E queria ser dos melhores, sonhava estar na seleção, em participar de programas de tv dando entrevistas e de ser reconhecido nacionalmente. Ao entrar na universidade pra estudar Educação Física, comecei a descobrir que o caminho não era tão único assim. Comecei a descobrir que para atuar na área do treinamento era preciso dominar a área do ensino. E não bastava estudar os movimentos, o corpo humano e entender do quanto de treino é necessário para desenvolver as habilidades. Era preciso dedicar-se a entender de pessoas, de comportamentos e das mais diversas situações em diversos contextos. E aí comecei a aprender o que, na minha opinião, é o mais fascinante e desafiador na docência: Aprender a conhecer-se.

E assim,  montando meus treinos e aulas, fui me baseando nos grandes mestres que tive (nas salas e nas quadras), nas leituras e aprendizados que ia tendo na faculdade  e também de olho em não cometer os mesmos vícios de comportamento de professores que me fizeram quase desistir da profissão (eles me ajudaram a eu saber como não queria ser).


Era uma vez uma escola que tentava ensinar conhecimento e felicidade juntos.


Mas tudo começou a mudar mesmo quando entrei em sala de aula. Desde meus estágios nas escolas, até a entrada oficial como professor titular, comecei a perceber que ser professor era entender o outro e a conhecer cada vez mais seus próprios potenciais e seus limites. E saber trabalhar isso em poucos minutos semanais com uma turma acabou me dando uma vivência que passava por uma linha tênue entre a loucura e a plena satisfação. Na Educação Física então, a disciplina que "não reprova", que só serve para "passar o tempo" e pra dar uma "relaxada", era preciso encantar a cada aula, mas também deixar claro que se tratava de uma disciplina como qualquer outra, que forma, que ensina e que pode deixar algo que vai além de práticas motoras. 


Vivendo intensamente a escola, você passa a conhecer um mundo de diversidades de alunos, de realidades e a conhecer os mais diversos professores, que dividem contigo o mesmo ofício e que muitas vezes vivem realidades diferentes da sua e que têm metodologias próprias. E você nota que começa a virar uma coletânea de cada um. Começa a ser influenciado por um, divide as angústias com outros e as vezes entra em conflito com alguns. Mas acima de tudo, você começa a aprender que o que se pensa de escola hoje em dia é absurdo. A responsabilidade jogada nas costas dos professores, na formação e educação de crianças e jovens é completamente surreal. Num mundo onde as escolas viraram muitas vezes "depósitos de alunos", onde a família cada vez mais se distancia da construção da educação de seus filhos e os professores não são prioridades em um governo sequer, descobre-se um mundo obscuro de sofrimento, cobranças externas e internas, e você se depara com pessoas incríveis, cansadas, extenuadas e até arrependidas pela profissão que escolheram. E ao mesmo tempo você se depara com professores que conseguem mesmo diante dessa realidade, serem fortes, fazerem a diferença e te darem a certeza de que é esse caminho que você quer seguir. 



E foram esses que mudaram drasticamente a minha profissão. Foi vendo professores assim que descobri que eu não posso apenas entender de movimento e treinamento. Foi me deparando com esses "eternos inconformados" que descobri que era preciso entender em que sociedade estamos, que era necessário entender a cultura em que vivemos para poder atuar, que era preciso entender pontos de vistas diferentes, tomando decisões a partir delas, compreendendo cada lado, cada situação. Era preciso saber de história, de como somos e fomos influenciados e como nossa história nos faz ser o que atualmente somos. Era preciso saber em que mundo vivemos, de política, do que fomos, o que somos e o que queremos ser. Era preciso entender a geopolítica para dar contexto crítico ao que se recebe de informação, principalmente vinda da tv. Aprendi também que precisava me expressar bem(e quantos erros cometo até hoje, meu Deus!), falando ou escrevendo, pois uma informação confusa pode gerar um conflito em diversos alunos por um bom tempo. A mensagem precisa ser clara, direta e que desperte de alguma forma no aluno a capacidade de querer saber mais, de repensar seus atos ou o que se viveu ali em aula. Além disso, precisava estar antenado em outras línguas, no que acontece de informação pelo mundo afora e estar pronto para aprender sobre isso. Era preciso ter um raciocínio lógico, ou criar um despertar a isso. Em diversas situações na vida precisamos de uma mente clara, aberta para receber as informações e para "calcular" o impacto de nossos atos, então descobri a matematizar a vida, e a explorar nos alunos a capacidade de trabalhar de forma lógica a interpretação dos fatos. E nesse caminho aprendi que vivemos de física muito além de fórmulas. Somos física pura desde que nascemos, aprendemos a andar e praticamos física a cada momento. Junto a isso, associamos a química na interpretação dos diversos elementos que a vida nos oferece e precisamos entender o que há de vida em nós e a nossa volta. Entender como funcionamos, quem somos, como nos desenvolvemos e o que há de riqueza de vida à nossa volta. Por fim.. aprendendo sobre toda essa diversidade que uma escola pôde me oferecer, aprendi que tudo o que fazemos, tudo o que produzimos é uma forma de arte. A arte não está nos grandes museus apenas e sim, em nossa existência, em nossos pensamentos, ideias e produções. 

Foi a escola que me devolveu aos treinamentos de outra forma. Que me levou a ter a plena certeza de que o trabalho com o  treinamento esportivo, seja na iniciação ou no alto rendimento, é uma forma e um ato de educação. Infelizmente não é isso que vejo muitas vezes por aí na minha área. Por diversas vezes vejo treinadores se "esgoelando", gritando e destratando seus alunos em busca de uma vitória, pais ensinando aos filhos que o adversário é um inimigo e muitos tentando mostrar que o importante é vencer, a qualquer custo ou a qualquer preço e em qualquer idade, esquecendo-se das fases de desenvolvimento de cada um. Mas mesmo assim, mesmo com os desvios que existem não só na docência como em todas as áreas, venho aqui lembrar deles. Dos professores que mudaram minha vida, dos técnicos que me ensinaram um esporte que não existe por aí, muito menos na tv. De professores na sala de aula que me ensinaram equações erradas de propósito, só me mostrando que estava errada quando eu tive a coragem de ir questionar. Foram esses que me tornaram crítico(tudo bem que fiquei crítico demais), que me fizeram pensar ao invés de decorar, que me fizeram apaixonar-me ao invés de baixar a cabeça e copiar. Foi com diversos destes que tive o prazer de dar aula junto, de participar de conselhos de classe, de reuniões pedagógicas e não demagógicas e são estes que me fazem vir aqui e agradecer pela inspiração. Pelo orgulho que me dão em pensar que no dia de hoje temos mesmo de nos parabenizar, mesmo com a realidade de um Brasil que não investe como deveria em educação.

Atuo nesta área porque acredito na mudança, porque acredito que podemos influenciar pessoas e ajudar a formar tantas pessoas muito melhores que nós. Mas principalmente porque não apenas acredito, mas tenho provas de que sou muito melhor do que era como pessoa por tornar-me professor. Enquanto muitos ainda são "dadores de aula", eu prefiro ficar com os que conseguem nos minutos que tem, dividir suas ideias e gerar uma reflexão em seus alunos para um aprendizado de qualidade. 

Fica aqui os parabéns a todos que dividem essa luta com seriedade, amor e não como um passatempo de quem queria ser alguma coisa "famosa", não conseguiu e tornou-se professor. E fica aqui um agradecimento especial a diversos professores que me fizeram parte da minha trajetória e com quem atuei diretamente tentando propor uma educação as vezes utópica e que a vida nos fez seguir caminhos em instituições diferentes. 

Ah.. e quanto ao sonho da fama e das entrevistas na tv, o trabalho me mostrou que ser bem sucedido vai muito, mas muito além disso e os alunos que por mim passaram me mostraram que nosso valor está no dia a dia e não em um reconhecimento efêmero televisivo.

Parabéns a todos os professores comprometidos com formação de qualidade e o trabalho duro!