sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Entre aulas e piadas.

Era uma aula de Educação Física no início do ano, e sempre de início, é preciso se preocupar com algumas tarefas importantes que precisam ser pontuadas em aula. Umas das principais tarefas no início do ano que vejo nas aulas desta disciplina, é o fato de ir, aos poucos, formando um conceito do que vai ser trabalhado durante todo o ano na escola. Sempre acontece de entrarem alunos novos e muitos ainda estarem se conhecendo. Neste caso que vou contar, eu também era professor novo, e aí existe um ingrediente a mais, pois quando somos novos no ambiente de trabalho, temos também de vencer a questão da imagem do professor de Educação Física na escola. É preciso vencer a imagem de que também temos algo a oferecer como conteúdo (tema para futuro post), que damos aula e não apenas rolamos a bola (infelizmente acontece demais por aí) para todos jogarem se "se divertirem" (nem todos se divertem e aprendem algo nesse formato).

Uma aula decente de Educação Física é feita de práticas e momentos de conversa e reflexão também.


Pois bem, além de conhecer os alunos, entender que ainda estão se conhecendo e superar a ideia de que na nossa área não se dá aula e apenas se recreia, era preciso superar outras questões. Quando tratamos de jogos, esportivos ou não, o que acontece nas aulas são situações riquíssimas para serem trabalhadas. Nem todas são muito positivas. É muito comum os alunos agirem de forma preconceituosa, egoísta e corporativa (no sentido pejorativo da palavra). Muitos alunos expõem tranquilamente que não querem ficar em determinada equipe, pois aquela equipe é mais fraca ou porque determinados jogadores são piores e irão atrapalhar seu rendimento. Essa situação é muito comum, mais evidente entre os mais novos, talvez pela ingenuidade e total franqueza, e um pouco mais velada entra os mais velhos.

Não é tão simples "negociar" durante as aulas nestas situações. Mas sempre tento mostrar que aquela equipe é composta por diferentes pessoas de diferentes tipos de habilidades. Que quem reclama também tem seus defeitos e que seria interessante todos trabalharem uma habilidade em comum, que seria a habilidade de organização, posicionando, se comunicando e extraindo o melhor de cada um para um rendimento proveitoso da equipe. Mas pelo tempo de trabalho e experiências vividas, sempre gosto de deixar claro aos alunos que organizar-se e tentar fazer o melhor não significa que irá vencer. Neste tempo de aula, muitos alunos já se esforçaram ao máximo, deram uma chance para o meu discurso e fizeram o máximo para tentar vencer. Mas como muito de praxe acontecia, aquela equipe que não vencia ou que não conseguia colocar 100% em prática do que havia combinado, justificava a antiga reclamação pra mim:

"Tá vendo, professor!? Eu não te falei que não ia dar certo? Não jogamos nada, não vencemos e você nos colocou em uma equipe mais fraca!"

É importante fazer com que os alunos percebam que o jogo vai além do resultado


Essa situação é riquíssima, pois é neste exato momento que posso falar sobre alguns valores importantes que acontecem na aulas de Educação Física. Primeiramente falo de que não podemos julgar a aula ou jogo se foi bom ou não pelo resultado. "Se venceu, foi ótima a aula, se perdeu, foi tudo uma desgraça!" É preciso superar mais uma vez esse discurso. E em consequência disso gosto de falar que é importante enxergar o processo de tudo o que aconteceu. Quais foram as falhas na organização? O que faltou para transformar as ideias criadas em boas práticas? E o adversário? Não teve seu méritos?

Enfim, tudo isso pra dizer que a discussão que sai disso tudo é muito proveitosa se você tiver paciência para lidar com essa fase da maturidade de seus alunos. É você o responsável e a pessoa mais madura naquela aula (na teoria seria você) para poder ouvir as opiniões, reclamações e discordâncias, para tentar tirar algo daquilo tudo. Isso sim é trabalhar o esporte, o jogo e a aula de Educação Física em algo formador de opinião crítica e educacional.

A intervenção do professor pode ser o diferencial.
Muitos professores colocam a culpa no esporte por este tipo de pensamento e eu acho uma grande inverdade. Isso é um senso comum, uma distorção existente. E a prova disso é que diversos adultos, pessoas ditas equilibradas e sensatas, quando se encontram em uma atividade de jogo e confronto, acabam atuando e se comportando da mesma maneira, alegando que o esporte permite este tipo de destrato, preconceito e destempero. Eu condeno completamente isso e credito muito disso à nossa cultura. A maneira folclórica como tratamos o jogo e o esporte. Essa é a maneira como infelizmente nossa área é vista. Como uma grande brincadeira e não como uma extensão da nossa formação humana.

Nesta turma em que eu era novo na escola, certa vez uma equipe que dividi para o jogo, veio reclamar comigo dizendo que não iam nem ter chance de jogar e que aquela partida seria como se uma equipe da Série D fosse enfrentar uma da Série A do campeonato brasileiro de futebol. Gostei do exemplo deles e fui além. Perguntei se eles se lembravam do que havia acontecido no mundial interclubes de futebol meses antes, onde uma equipe desconhecida chama Mazembe, venceu a equipe do Internacional de Porto Alegre e foi fazer a final do mundial de clubes contra a Inter de Milão. Aqueles que mais reclamavam e se achavam injustiçados foram se calando e ficaram pensativos, os que sofriam o preconceito de serem indiretamente chamados de "perna de pau", foram se soltando e lembrando que a equipe havia superado e feito o contrário do que esperavam dela. 

Tentei usar a equipe do Mazembe como inspiração para uma boa reflexão.

Fui um pouco além e contei que assisti o jogo e que o que me surpreendeu mais do que a vitória sobre o Inter de Porto Alegre, foi o fato deles entrarem para a final extremamente confiantes na vitória também contra o Inter de Milão. Na final eles perderam por 3x0, mas ao meu ver, eles tentaram ao máximo vencer aquela partida, até de forma atabalhoada tentando cavar penalidades máximas, mas acima de tudo, haviam se dado a chance de fazer o melhor deles e superar seus limites. E dentro desta proposta, fizeram história como a primeira equipe fora do eixo América-Europa a disputar uma final do Mundial de Clubes.

Chegando em casa após aquela aula, fui na internet procurar algum vídeo que falasse sobre a participação do Mazembe no Mundial para passar aos alunos. Ao procurar, achei este onde me mostrava uma outra leitura daquela final. Uma leitura que considero pobre e midiática. A leitura de que o esporte é uma grande piada. Nada contra as piadas, mas muito contra a só conseguirem falar de esporte hoje em dia nesse formato. Naquela hora pensei que meus alunos naquela turma são muito mais vítimas do que responsáveis por pensarem daquela forma preconceituosa, acreditando piamente que não valia de nada o esforço quando pensavam que perderiam fácil. É claro, eles são "bombardeados" por este tipo de informação diariamente e nossa cultura adora valorizar o folclore ao invés de tratar o esporte como uma das formas de instruir o nosso povo que tanto carece de boa informação. 

Aqui o vídeo onde eu acreditava que poderia ajudar os alunos a pensarem criticamente sobre a ideia deles:


Nossa!!! A culpa então de tudo isso é da mídia, da imprensa? É claro que não! Mas só quero mostrar como há poucos anos de sediar os mais importantes eventos esportivos em nosso País, não nos preocupamos em formar gerações que entendam melhor sobre formação pessoal, esportiva e profissional. Isso acontece na tv, mas isso também acontece por demais nas escolas, nas ruas e em todo quase todo lugar. "Pra que me esforçar se as chances de vencer é pequena?" É um pensamento que criticamos, mas que por diversas vezes praticamos sem notar. E o esporte, logo ele tão criticado nas escolas, poderiam e deveriam trabalhar melhor estas questões como forma de educação.

E vocês? O que acharam deste vídeo? Confesso que não gostei muito e é por isso que tenho procurado fazer outras coisas no horário do almoço que não seja assistir tv.

Venho aqui em breve falar um pouco mais sobre essa nova moda do "Piadinha Esporte Clube"

Abraço à todos.

Um comentário:

Li disse...

Quando existe um "favorito", temos a cultura de dizer que o time perdeu, ao invés de dizer que o outro venceu. Esse tipo de coisa está presente o tempo todo nas competições brasileiras e nas internacionais que nossos times disputam. Tem cheiro de arrogância e desprezo. E é difícil de mudar, mas, podemos tentar começar.

http://globoesporte.globo.com/platb/olharcronicoesportivo/2010/12/14/dois-comentarios-sobre-mazembe-x-internacional/