sábado, 5 de março de 2011

Eu só peço a Deus um pouco MENOS de malandragem

Na década de 40, Walt Disney em uma visita ao Brasil, especificamente ao Rio de Janeiro, declarou seu amor à cidade. Disse amar tanto o Rio de Janeiro que precisaria deixar um presente aos cariocas. Dizem que Walt Disney,de dentro do hotel Copacabana Palace no qual estava hospedado, criou o papagaio que seria o elo entre Walt Disney World e o Brasil. O Personagem era o José Carioca (vulgo Zé Carioca), conhecido por ser um personagem festeiro e divertido. Zé Carioca participou de alguns filmes da Disney nos EUA e no Brasil, o papagaio chegou a partir da década de 50 nas revistas em quadrinhos e começou então a criar e difundir a sua personalidade. Sua veia festeira e divertida foi expandida para um nato malandro carioca. Zé Carioca abusava de seu carisma para mostrar um lado alérgico ao trabalho e também caloteiro. Fugia de seus cobradores, mas ao invés de sofrer com isso, gostava de apreciar e valorizar a praia, as comidas típicas e vivia espalhando bom humor em suas histórias. Para muitos, Zé Carioca era a personificação do "típico Brasileiro", que abusava da criatividade e do "jeitinho brasileiro" para seguir levando a vida.


Já na década de 70, mais precisamente em 1976, outro personagem conhecido nacionalmente, só que agora relacionado ao esporte, teve sua imagem associada à malandragem. Gérson de Oliveira Nunes, mais conhecido como "canhotinha de ouro", meia da Seleção Brasileira e campeão na Copa do Mundo de 70, participou de uma propaganda de cigarro onde dizia:

"Gosto de levar vantagem em tudo, certo? Leve vantagem você também."




Esta frase foi adotada pela cultura popular para simbolizar a suposta malandragem brasileira, o "jeitinho" desonesto de ser, e assim, nascia a Lei de Gérson
Mais tarde, o jogador declarou o profundo arrependimento de ter seu nome associado a um desvio de conduta da qual muitos brasileiros se vangloriam de ter. A malandragem faz parte do imaginário social do nosso povo. Pesquisei brevemente no Wikipédia e de lá extraio um pequeno trecho que define bem o que seria essa ação tão aceitável em nosso País.

"Malandragem define-se como um conjunto de artimanhas utilizadas para se obter vantagem em determinada situação (vantagens estas muitas vezes ilícitas). Caracteriza-se pela engenhosidade e sutileza. Sua execução exige destreza, carisma, lábia e quaisquer características que permitam a manipulação de pessoas ou resultados, de forma a obter o melhor destes, e da maneira mais fácil possível. Contradiz a argumentação lógica, o labor e a honestidade, pois a malandragem pressupõe que tais métodos são incapazes de gerar bons resultados. Aquele que pratica a malandragem (o "malandro") age como no popular adágio brasileiro, imortalizado pelo nome de Lei de Gérson."

E por que estou a falar deste assunto por aqui?

Tudo porque um fato que ocorreu recentemente me lembrou muito todo este tema da malandragem. Agora em 2011, me deparei com uma situação em um jogo de basquete que pertencia à fase de classificação do NBB3 (Novo Basquete Brasil).


A partida era entre Joinville e São José. A equipe de Joinvile vencia por um ponto de diferença e a posse de bola em lateral era da equipe de São José. Restava pouco tempo e o lance, que aos olhos parecia simples e normal, foi denunciado pelo narrador como um lance polêmico.
Quando assisti pela tv, infelizmente não conseguiram cobrir o lance como ocorrido, pois eles estavam filmando um jogador da equipe de Alberto Bial (técnico da equipe de Joinville) que havia se machucado como você pode conferir aqui:




Ao final da partida, o ala Renato(que cobrou o lateral no fim do jogo) deu uma entrevista ao canal de tv indignado com o ocorrido e reclamando da atitude do técnico adversário. Já em seguida, o próprio Alberto Bial também concedeu uma entrevista tirando o foco do último e polêmico lance e dando ênfase em outros assuntos, dando um "show" de emoção, amor ao esporte e "lição" sobre ganhar e perder, como vocês também podem ver aqui:





Desde então fiquei com uma "pulga atrás da orelha" com o ocorrido. Procurei blogs sobre basquete, tentei ler mais sobre o jogo e não conseguia saber o que, de fato, havia acontecido naquele fim de partida. 

Os dias foram passando e já não me recordava tanto desta história. Ficou pra mim como um caso mal resolvido, até que anteontem li no blog do Bala na cesta que o técnico Alberto Bial havia sido punido com três jogos de suspensão no NBB. Ao ler esta notícia, pensei que realmente o ato de Bial deveria ter sido mesmo de má fé. Minha curiosidade por este caso reascendeu e voltei a pesquisar na internet sobre o assunto até que consegui achar um vídeo do lance filmado por um torcedor que denuncia bem o ococrrido como vocês também podem ver aqui:






Infelizmente assisti a uma situação que não condiz com uma competição que diz ter vindo para resgatar o Basquete Brasileiro. Muito pelo contrário, ela me levou à assistir a personificação do Zé Carioca em carne e osso utilizando-se de suas malandragens e em seguida, de seu carisma, lábia e prepotência em achar que estava tudo bem. Esse exemplo indigno do Basquete Brasileiro veio de um técnico que admiro(ou admirava, ainda não sei) pela demonstração de sua paixão pela modalidade. O técnico em questão é Alberto Bial. 

Bial, no calor de um jogo emocionante e disputado até o último segundo(isso não pode ser argumento para agir de má fé) , estava à beira da quadra e seu time vencia por um ponto. O ala Renato, da equipe de São José, iria repor a bola em jogo quando faltavam 1,9 segundos para o fim da partida. Em uma atitude de desespero e destempero, mas também de desrespeito ao jogo, ao esporte em questão, aos torcedores presentes e os que assistiam pela tv, o técnico Alberto Bial corre de sua posição de técnico no banco de reservas para marcar o ala Renato e impedir a sua reposição de bola. Sua entrevista no final da partida mostra o que muitos proclamam no Brasil como sabedoria popular. É o se dar bem sem perder a pose. É o malandro dos jogos de futebol dos finais de semana. É o pior que temos para valorizar em troca de uma vitória que tinha grandes chances de acontecer a favor de seu time. Não quero discutir se a punição de três jogos foi justa ou não, mas o que está em jogo é a imagem, a honra, hombridade e respeito ao outro, tirando dele a chance de tentar te vencer.


Pra quem já deu aula em escola ou já organizou qualquer pequeno evento esportivo, deve saber muito bem como esta atitude está presente no esporte, principalmente entre os mais jovens. A criança e o jovem são transgressores por natureza. Mas não é por causa disso que não devemos agir e intervir. Cabe ao professor pontuar sobre estas questões de imediato em cada aula, em acontecimentos parecidos, ou caso mesmo ela não aconteça(utilizarei este post em minhas aulas) e mostrar que o adversário está na quadra para nos tornar mais forte, para nos desafiar e caso consiga, para nos vencer. O erro não está no esporte ser de rendimento ou competitivo. O erro está nas pessoas, nas ações e nos péssimos exemplos que nos são passados por dirigentes, técnicos, atletas e muitas vezes até locutores na tv. O senso comum do malandro já está mais do que com o prazo de validade vencido. Precisamos superar esta máxima. E ao Bial, não só famoso pelo seu trabalho como por ser irmão de um âncora da tv, deveria ao menos retratar-se sobre o ocorrido. Após uma atitude como esta, perde-se o valor do empenho da equipe de Joinville que lutou cada segundo pela vitória. Mas a vitória ou derrota não está mais em questão. O que fica evidenciado e em foco é em como ainda fazemos de tudo pelo sucesso momentâneo. Vale à pena trocar a sua reputação por uma vitória? O mais triste é que certamente alguns torcedores saíram do ginásio proclamando: "O Bial é o máximo, você viu o que ele fez no jogo?" Essa ideia da malandragem e da vitória a qualquer custo desperta para muitos torcedores o lado da paixão, da luta pela vitória de seu time, é um sinal do compromisso de seu técnico com o sucesso de sua equipe e ainda é vista com graça por muitos. Mas sei que que outros tantos conseguem enxergar e interpretar que atos isolados como estes ofuscam atuações maravilhosas de jogadores e equipes.


Já assisti algumas vezes este lance e nessa hora confesso que sinto pena do Gérson. Sempre que atos de desvios de conduta acontecem desta forma, muitos assistem o lance perplexos e dizem para alguém: 


"Essa é a legítima Lei de Gérson."

O pobre Gérson não tem nada a ver com isso. 

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