segunda-feira, 9 de julho de 2012

Aprender não é mágica


Recentemente estava em uma aula da minha turma de basquete da faixa etária de 8 à 12 anos.
Essa turma é uma turma muito querida e divertida. Trabalhamos com o basquete, mas nessa faixa etária é muito importante estimular o desenvolvimento motor amplo. Fazer os alunos experimentarem diversas habilidades motoras e situações. Não se pode apenas ensinar o gesto técnico do basquete. As crianças nessa idade não estão com seu programa e repertório motor finalizado (na verdade nunca estamos) e é preciso formar uma boa base motora pra que futuramente ela consiga construir melhor seus movimentos em qualquer modalidade que ela quiser praticar.


A criança precisa ser estimulada a desenvolver o máximo da habilidades e capacidades.

Pois bem, a brincadeira/desafio era lançar uma bolinha de tênis na parede e conseguir pegá-la antes dela tocar o chão. Um desafio como esse envolve diversas habilidades. Para ter êxito, a criança precisa dominar o básico do movimento do lançamento e também ter um cálculo sobre a distância entre ela e a parede, para assim, realizar o movimento de lançamento e poder se ater a habilidade de recepção, que é uma habilidade que chamamos de visual motora (envolvendo a percepção visual pelo olhar e o movimento pelas mãos). 

Com a prática muitos tiveram sucesso imediato, já outros levaram algumas tentativas para conseguirem estabilizar o movimento. E com um tempo de prática, eles já estavam se desafiando: Aumentando a distância entre eles e a parede, jogando a bola na parede, tocando as mãos no chão e pegando a bola de volta e por aí foi. 

Dei um certo tempo de prática até que notasse que eles tivessem real sucesso com as tentativas e que aquela atividade caísse no nível de interesse deles, afinal eles já conseguiam com muito sucesso a prática.

Daí fiz o seguinte desafio: "Quero ver quem consegue fazer a mesma prática lançando a bola com a mão esquerda". 

Imagem que mostra as fases da habilidade de lançar a bola, do livro
"Compreendendo o desenvolvimento motor " de Gallahue e Ozmun


Foi o bastante para mudar completamente a atividade. As crianças não tinham uma boa combinação de lançamento com a mão esquerda, o que comprometia o lançamento. E com o lançamento comprometido, a chance de pegar a bolinha em boas condições caiu bastante de possibilidade. Deixei eles praticando por um tempo e dessa vez poucos conseguiram de imediato o sucesso na realização. Outros continuavam com dificuldades de lançamento e não conseguiam perceber no que estavam errando para tentar corrigir. Fui então fazendo algumas intervenções e explicando sobre o movimento de lançamento, mas mesmo assim, precisaria de mais tempo para a evolução deles e resolvi finalizar aquela prática para refazermos em um outro momento.

Ao final dessa atividade, juntei os alunos e perguntei a eles o porquê de não terem muito sucesso na execução com a mão esquerda. E o mais surpreendente é que pareciam ter ensaiado a resposta, pois todos responderam alto e ao mesmo tempo:

"Porque somos destros!"

Nesse exato momento uma denúncia acabava de acontecer ali. A ideia de que não aprendemos as habilidades pelos dois lados porque temos apenas um lado dominante. Isso é uma grande mentira. O lado dominante existe e ele certamente te dá uma capacidade de execução, precisão e eficiência melhor, até aí tudo bem. Mas dizer que você não é capaz utilizando o lado não dominante por que não é seu lado "forte" é um grande engano. Respondi aos pequenos que eles tiveram dificuldades porque praticaram pouco, experimentaram (alguns nunca experimentaram) muito menos do que pelo lado dominante em suas vidas, e por isso a dificuldade. 

E essa é a ideia da aprendizagem motora erroneamente praticada. Aprendemos somente o que somos bons. Esse é um dado preocupante e que me faz pensar a cada dia que somos um país analfabeto motor. Nossas escolas e espaços de iniciação esportiva muitas vezes não investem numa formação motora integral. Confundimos um ensino que se dedica ao desenvolvimento com apenas brincadeiras passatempos, livre de observações e intervenções que possa potencializar o desenvolvimento de cada aluno. E acabamos por acreditar que aquele que tem uma extrema habilidade e capacidade de solucionar problemas nos jogos é "gênio". E sinceramente não acredito nisso. A pessoa pode ter uma predisposição fantástica para as habilidades motoras, mas se não tiver estímulos e vivências necessárias, não desenvolverá suas capacidades.


Neymar é um bom exemplo de uma pessoa que é tratada como detentor de uma habilidade "mágica".
Como se não fosse uma combinação de predisposição e trabalho para desenvolver.

Mas estamos no Brasil, há quatro anos de sediarmos uma Olimpíada e ainda tratamos a formação como algo mágico. Como algo onde os gênios se destacarão por natureza própria. E assim, vamos deixando de formar, não só os excepcionais, como vamos deixando de dar oportunidades de amplo desenvolvimento a tantos outros que poderiam estar mais aptos do que estão.

Confesso que quando as crianças me responderam que não conseguiam fazer a brincadeira com a mão esquerda porque eram destros, fiquei com vontade de responder a todos: 

"Vocês são destros, não são manetas!"

Há muito a ser feito nessa área em nosso país.

Espero tocar mais nesse assunto sobre o analfabetismo motor em breve.


Abraço a todos.

5 comentários:

Aline Valek disse...

Excelente post! Eu, que me considero uma completa analfabeta motora, vivo colocando a desculpa de que "não tenho jeito pra coisa", "sou desastrada", "não consigo fazer isso" pra simplesmente não tentar, não fazer -- quando é tudo uma questão de prática.

É bem verdade isso que vc disse que aprendemos a desenvolver somente as habilidades em que já somos bons. Essa ideia de "talento" é muito difundida e aceita, como se as pessoas nascessem com um "dom" que faz com que elas sejam "magicamente" boas naquilo. Aí quem não é bom em algo simplesmente aceita que "não nasceu para aquilo" e desiste. Sabotar-se é seguro, é cômodo. É mais fácil que aceitar um desafio (e digo isso pra mim mesma).

Aí lembrei da época em que eu dei aulas de desenho, e mostrava que desenhar não tinha nada a ver com talento, com dom. É algo que você desenvolve. É preciso treinar seu cérebro com a mesma força e empenho que um atleta usa para ser bom no esporte. Qualquer pessoa pode ser uma boa desenhista, mesmo. É só ter disposição pra aprender e treinar, treinar, treinar. Não é esporte, mas tem muito a ver com aprendizado de habilidades motoras!

Adorei o post, vou esperar você falar mais sobre o assunto, que me interessa cada dia mais :)

Unknown disse...

Parabéns Rodrigo!! Sempre muito bom ler seus textos!!
Abraços

Rodrigo Leonardo disse...

Aline..
Todos somos assim em algum momento. São as desculpas apaziguadoras que nos fazemos pra não nos colocamos em situação de desconforto. O mais complicado disso tudo é que somos ensinados a sermos assim. Não nos dedicamos em sermos melhor, enxergamos em nossas falhas uma limitação e não uma oportunidade de ser melhor. Mas podemos mudar, criar uma nova estrutura pessoal, um novo costume e passar a enxergar uma janela de oportunidade onde muitos enxergam um muro de limitações. Bjo!

Rodrigo Leonardo disse...

Grande Erick!
Continuo devendo aquela visita na Matriz, né!? Mande um abraço pra todos lá!
Valeu por continuar acompanhando os posts. Abraço!

Djanir Rj disse...

Parabéns!quando diz que podemos ter habilidades pelos dois lados.tenho paixão por esportes e achei seu post amei.grande abraço e espero poder ler mais textos.