quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Um esporte completo exige um suporte completo.


Hortência foi responsável por esta declaração após o Mundial Feminino de Basquete
"Várias vezes ligamos para a psicóloga no Brasil para ver o que poderíamos fazer. Elas lidaram muito mal com a derrota, o técnico se perdeu. Quando começaram a engrenar, já era tarde. Um dia, eu fiquei às 3h da manhã procurando música para um vídeo motivacional que ia passar para as meninas. Não acho que tem necessidade de levar um profissional de psicologia e vou continuar não levando"



Ontem recebi uma mensagem de email de minha amiga Mariana. Mais uma pessoa com quem fiz amizade nas quadras. No trabalho diário. Mariana mostrava-se inconformada com a declaração de Hortência sobre o mundial de basquete feminino, onde afirmava que a equipe mostrava-se desestruturada emocionalmente, mas que mesmo assim manteria o trabalho nas comissões técnicas  sem um psicólogo presente. Enfim, isso gerou revolta não só na Mariana, como em outros sites de basquete que andei lendo hoje cedo.

É complicado entender que na ponta do Esporte Brasileiro, numa Confederação de um esporte que consideramos belo e complexo, não se pense em agregar informações e uma equipe multifuncional que possa trabalhar os mais diversos valores para o melhor rendimento da equipe. Mesmo achando que o problema gritante do Basquete Brasileiro Feminino é de ordem técnica, de formação de base e de campeonatos sucateados, a declaração de Hortência mostra que se nem a Confederação Brasileira de Basquete tem um olhar a longo prazo para as diversas dimensões do esporte, onde será que teremos no esporte Brasileiro, que em sua base vive um amadorismo sem fim com professores abnegados que sustentam trabalhos sozinhos e com estruturas precárias que limitam o aprendizado da modalidade pelo País à fora, um trabalho que preze pela qualidade da informação passada aos seus atletas?

Neste momento posso dizer que sou um privilegiado. Tive a possibilidade de conhecer esta mesma Mariana numa situação assim. Mariana é psicóloga e no ano passado teve a chance de fazer um trabalho de acompanhamento psicológico de uma equipe de basquete juvenil de Brasília comandada pelo professor Ronaldo Pacheco. Mariana queria testar seus estudos, colocar em prática suas ideias e supervisionava um grupo de psicólogos que acompanhavam a equipe. Mais a frente, tive a chance de conhecê-la melhor  fazendo um trabalho parecido na seleção sub 17 do Distrito Federal e pude neste ano que passou, aprender bastante sobre o trabalho que um psicólogo desportivo pode acrescentar à uma comissão técnica e à atletas tanto em formação quanto adultos. Digo isso porque após este trabalho, Mariana passou a acompanhar dois atletas de Brasília que disputavam o NBB e que de alguma forma também puderam crescer profissionalmente com o respaldo de uma profissional que acrescentava na sua formação esportiva. 

Assim que recebi o email da Mari, um pouco ainda indignada com a declaração de Hortência, lancei um desafio a ela e perguntei se não gostaria de escrever um pouco sobre essa triste realidade Brasileira que não valoriza áreas complementares na formação esportiva. 
Transcrevo aqui a resposta quase que imediata dela:


"Missão dada é missão cumprida!!!
Jamais me esquivaria a um desafio seu!!!"


Segue então o relato dela sobre o episódio.



"A primeira vez que entrei em uma quadra de basquete sem a obrigação de jogar, foi 13 anos após o fim da minha curtíssima carreira. Entrei para “trocar idéia” com um técnico de basquete após indicação de uma amiga; segundo ela, ele dava total apoio à Psicologia do Esporte. Fui preparada apenas para um papo, mas ele me convidou para sentar no banco... era dia de jogo!!! Assim o fiz, e comemorei silenciosamente. 
Desde então comecei a frequentar os treinos e os jogos, de olho em tudo... em todos os mínimos olhares e movimentos dos atletas, percebendo o nervosismo daqueles que se diziam “calmos” durante a partida enquanto eles seguravam um copo d’água durante o tempo técnico. Com ajuda deste técnico, consegui supervisionar in loco cinco estagiários, que exerceram papel de psicólogos ativos do esporte; auxiliando o técnico, coletando dados, fazendo scout...


Mariana fazendo parte da comissão técnica também durante os jogos.

Devo isso e muito mais ao Ronaldo Pacheco, que pouco depois me convidou a integrar a Comissão Técnica da Seleção sub – 17 de Basquetebol Masculino do Distrito Federal, juntamente com Rodrigo “Galego” e Michael.
Batalhei, fiz um pouco meu nome em Brasília e parei em um time dito “de ponta”, considerado o maior do basquete nacional atualmente. Trabalhei com apenas dois atletas, sempre com algumas dificuldades, mal acostumada pelo Ronaldo, afirmava que meu lugar era no banco, nunca fui ouvida; respeitada em silêncio pelos dois atletas que eram acompanhados por mim, bem relacionada com todos que ao serem campeões do NBB me disseram que eu também era parte daquele título. Agradeci mas me esquivei dessa atribuição por saber que não contribuí 100% para todo o time.
Hoje, ao ler as declarações de Hortência proferidas no programa Arena SporTV, percebi que o retrocesso chegou ao esporte que aparentemente mais abria as portas para a integração de um psicólogo nas Comissões Técnicas. 

Fiquei sentindo como se eu tivesse pego o caminho contrário, passei por um estrada maravilhosa; asfalto liso onde eu podia acelerar, mais a frente peguei uma estrada sinuosa e com buracos; mas eu podia me manter nela, e de repente a estrada acabou, não havia mais caminho para seguir ou curva para dobrar... o jeito era me achar no meio da confusão. O contrário para mim faz mais sentido.

Cada dia percebo como o psicólogo do esporte é facilmente substituído por um dinheiro a mais diante de uma vitória, por uma palestra motivacional com duração de uma hora com qualquer profissional da psicologia organizacional ou até por massagem no lóbulo da orelha diante da ansiedade pré competitiva...
Todo dia me pergunto quando poderei seguir naquela estrada maravilhosa novamente... quando poderei sentar no banco com o uniforme da Comissão Técnica como meus outros colegas? Quando serei compreendida como profissional e perceberão a integração entra tático, técnico, físico e psicológico? Quando poderei propor uma metodologia de trabalho em longo prazo (e não aparecer uma vez por semana, por 1 hora e sem a menor possibilidade de formar vínculo com os atletas), sem acharem que sou guru, mágica ou curandeira?
Voltando a declaração da Hortência, ela me assustou tanto pelo amadorismo quanto pelo momento; justamente na mesma semana em que o presidente do COB, Sr. Carlos Artur Nuzman, declarou que o Brasil pode ficar fora das Olimpíadas de 2016, que serão realizadas... aqui, por falta de estrutura.


Lamento por esse tipo de pensamento sobre o acompanhamento psicológico ser propagado por uma das figuras mais conhecidas do basquete nacional e mundial, destoando totalmente da realidade e da aceitação do esporte, ao menos eu já vivi dias melhores mesmo passando o rodo com pano para limpar a quadra, pegando água, carregando bola, buscando uniforme... na hora em que eu falava, todos me ouviam; o que muitos deles faziam com a informação eu não posso dizer, porém eu tinha liberdade para me expressar e defender indiretamente minha área, essa declaração é típica de quem não conhece o real trabalho de um psicólogo em quadra, pois ficar até às 3 da manhã procurando uma música para um vídeo motivacional para passar para as atletas durante o Mundial na República Tcheca, sem domínio e conhecimento do conceito de motivação e da real função de um vídeo motivacional; é no mínimo perder tempo, pois a psicologia do esporte já está bem além disso.

É preciso bom senso dos dirigentes e de todos que mandam e desmandam no cenário esportivo nacional, diretrizes precisam ser apontadas e a integração do psicólogo é urgente; a formação de vínculo com os atletas, a aplicação de testes e questionários, as entrevistas e sessões individuais são algumas das funções do psicólogo que precisam ser aceitas e respeitadas.

Para Hortência, gostaria de deixar apenas um recado: o lugar do psicólogo é no banco junto com a Comissão Técnica e não do outro lado da linha."




5 comentários:

Renato disse...

Psicologia do Esporte, deveria ser OBRIGATORIO em qualquer esporte, como treinar um atleta ser ter esse suporte? Lamentável Hortência, chegou a hora de você sair de cena e dar lugar para quem realmente quer ver o Brasil em primeiro lugar no esporte.

Mari disse...

Katia Rubio, grande noma da psicologia do esporte leu e mando u o seguinte comentário:

Tentei postar uma resposta no blog, mas não consegui.

Parabéns pelo seu texto e pela tua atitude corajosa de enfrentar aquilo que já parece definido. Conte com a minha ajuda para o que precisar. E como canta o Caetano "Gente é pra bilhar, não pra morrer de fome". Sucesso

Katia Rubio

PS. Se quiser postar essa mensagem la no blog, fique a vontade.

Mari disse...

Agradecer pelo espaço seria muito clichê diante de tantos elogios que sei que tem o peso da sinceridade... prefiro agradecer por vc ter trabalhado comigo e acreditar sempre em mim! Beijoo

Unknown disse...

Ouvi muitos desabafos da Maricota em relacao a pisicologia do esporte!! Ela ate ja pensou em abandonar a area. Eu disse: aguenta mais um pouco, esse casamento ainda vai dar certo! E estou MUITO orgulhosa de te ver criticando a Hortencia!! Boa 06. Se ela acha q n precisa de pisicologo, n deveria ficar procurando video motivacional, pois isso eh um trabalho PISICOLOGICO!!!

Patrícia Cartaxo disse...

Incrível perceber que uma pessoa com uma experiência e bagagem tão grande no esporte, como a Hortênsia, podem ter pouca noção da importância de certos profissionais em uma comissão técnica!
Mas é realmente estimulante ver alguém com coragem para ir contra essas mesmas idéias e defender sua área de trabalho!
PARABÉNS!
À Mariana pela coragem e determinação. Ao Galego por disponibilizar esse espaço!