quinta-feira, 14 de abril de 2011

É preciso persistir, acreditar... e trabalhar.

Tenho tido um ano de desafios novos profissionalmente falando. Acredito realmente que devemos sempre criar momentos novos e desafiadores em nossas vidas para que possamos continuar crescendo. Um dos meus maiores medos profissionais (e talvez na vida também) é, um dia, achar que já domino muito bem tudo o que vivo e que as coisas estão bem tranqüilas. Essa é a forma que se começa a entrar na famosa zona de conforto que não faz bem.


Essa tranqüilidade muitas vezes te “cega” e deixa com que você seja mais um, apenas reproduzindo conceitos e trabalhando para sobreviver. Penso que isso é perigoso demais.

Pois bem, este ano não tenho nem como achar que me acomodarei, pois estou em novos trabalhos que têm exigido rever meus conceitos, aprender a lidar com diferentes tipos de pessoas e que, apesar das angústias que me geram muitas vezes, fazem de mim certamente alguém melhor. Alguém que em Dezembro será capaz de lidar melhor com futuros e novos desafios (Calma! Não estou pensando no ano que vem ainda). Digo isso porque acredito que já está na hora de relatar algumas destas vivências que tenho tido aqui neste blog e que pode de alguma forma ajudar ou sensibilizar aqueles interessados em aulas de Educação Física na escola.

Estou trabalhando em uma nova escola onde dou aula para o ensino médio em um formato diferente. Lá, a aula Educação Física é realizada na grade horária normal dos alunos e por apenas um horário de 50 minutos. Confesso que quando fui convidado pra trabalhar nesta escola, balancei um pouco em relação a questão do ensino médio, mas aceitei o desafio com a perspectiva de tentar mudar isso mais pra frente. E assim comecei meus trabalhos.

É fato que Educação é algo que se investe em longo prazo. Existe um longo caminho a percorrer quando se pensa em fazer a diferença. Um professor por mais competente que seja, estaria dando “um tiro no próprio pé” se achasse que em um ano letivo, conseguiria atingir plenamente todos seus objetivos com os alunos. Não que seja impossível, mas é importante também saber que as situações se dão com o tempo. A criação de uma rotina de aula, as intervenções nos alunos e os percalços pra tentar lutar pelo que você acredita são momentos que o professor tem de saber que vai passar um bom tempo ainda lutando para ser justo com seus alunos, consigo mesmo e com sua metodologia para, com o tempo, conseguir mostrar o seu trabalho e conseguir um retorno bacana disso tudo.

 E aí, no meu caso, a primeira pergunta que me fiz foi: Como fica a turma do terceiro ano nisso tudo? 

Como lutar por uma Educação Física para todos, diferente do que eles vinham acostumados a ter? Como criar uma cultura de aula com uma turma já mais madura que as outras e que ano que vem sequer vai ter essa dita sequência de trabalho a longo prazo na escola? Percebendo estas questões, tratei logo de no primeiro dia de aula fazer um breve debate com eles sobre como enxergavam a Educação Física e o porquê desta aula na Escola. A primeira impressão desta conversa inicial me levou a dois caminhos. O primeiro caminho muito otimista, pois eles eram alunos bacanas, atenciosos e usaram e abusaram de sua sinceridade para se expressar neste dia. O segundo caminho era a constatação de uma triste realidade no Brasil, a Educação Física está ao relento nas escolas. Com uma sinceridade impressionante, eles me colocaram que Educação Física era o momento do relaxamento na Escola. Era o momento pra poder “dar uns bombões pro gol” e “extravasar o cansaço mental que acontece em sala de aula”. Além disso, a maioria foi enfática em dizer que a aula de Educação Física não era um espaço para homens e mulheres (não dá mais pra chamar estes futuros universitários de meninos e meninas) jogarem juntos.

“Elas são muito travadas, Professor!”. “Têm medo da bola”.

“Eles são muito agressivos, Professor!”. “Reclamam quando a gente erra, não dá pra jogar junto mesmo!”.

Feito isso com a turma, passei a me arriscar. O primeiro momento que criei nas aulas, utilizei um termo que meu amigo Jonatas chama de “Soco no estômago”. Fui bem enérgico e com bastante discurso para dialogar com eles propondo aulas com todos em quadra.

“Como assim? Jogar todo mundo junto? Tô fora dessa!”

Isso foi o que mais ouvi nas aulas iniciais.  Eram muitos “incêndios” que precisavam ser apagados: Alunos que se recusavam a participar com medo de se machucar, alunos que costumeiramente se recusavam a participar e que utilizaram esta situação como explicação pra não participação. E claro, alunos que estavam participando e que se desmotivavam com a estrutura da aula, pois precisariam em alguns momentos “pegar mais leve” em suas práticas. Pra cada caso, uma conversa: Explicava pra alguns que o tempo de 50 minutos me forçava a começar o ano assim tentando conhecê-los melhor. Também explicava que o medo de participar se parecia muito com o medo em outras situações da vida deles e que eu estava ali para garantir a segurança deles. E claro que também tive de motivar aqueles sempre acostumados a participar bastante, mas do antigo modo apenas jogando o jogo parecido bastante com o jogo do intervalo (recreio). Argumentei que a prática deles no momento de aula deveria ser diferente do recreio e que eu precisava propor atividades para todos, todos tinham direito de ter aula de Educação Física. Não recebi muito sorrisos de volta com este discurso.

Utilizei diversos discursos, mas não inventei nenhum. Todos faziam parte do que eu realmente acreditava e pra mim, faziam sentido com meus objetivos com a turma. Tudo isso em apenas 50 minutos. Não pense que essa passagem toda foi um conto de fadas e nem que até hoje eu não enfrento problemas de medo, desmotivação e desconfiança quanto à participação. Mas posso dizer uma coisa que até hoje agradeço a esta turma: Com o tempo, eles me ouviram!

E ao me ouvir resolveram me dar uma chance de tentar algo diferente com eles. A cada conversa, a cada momento de discussão com estes meninos-homens e com estas meninas-mulheres, eu sentia vontade de passar muito mais de 50 minutos com eles. Sentia que nossas conversas não terminavam, elas entravam em nosso dia a dia e o desafio era algo apenas prorrogado para uma próxima semana. Começamos o ano com uma conversa um tanto quanto confusa, em certo momento eles passaram a me dar atenção, hoje eles já conseguem me dar a mão.



Passado um bimestre de muita conversa e muito a se fazer ainda, estes jovens estão me dando a chance de fazer diferente. E é claro que penso que poderíamos ter já avançado muito mais. Mas é incrível também ver a maneira como muitos me deram e se deram a chance de ser diferente. Só o simples fato de não se fazer mais o que sempre fizeram, deixando muitos de fora com “eternas dores de cabeça, mal estar” e outros relatos mais, sinto um orgulho incrível do que esta turma vem produzindo. Repito e eles sabem disso: 


Estamos muito longe ainda do que podemos ser como turma, mas o simples fato de já não sermos mais os mesmos, me enche de orgulho e esperança por uma Educação Física com maior qualidade no nosso País. Uma Educação Física que não perca seu aspecto prático e participativo, mas que tenha atrelado a isso um discurso crítico, uma percepção do que cada um pode aprender e evoluir enquanto pessoa e uma capacidade  de superar os desafios propostos nas aulas como também os desafios propostos pela vida.

Hoje em dia, essa turma me dá a chance de fazermos temáticas de aula com todos juntos, em outros momentos separados, mas não mais com o intuito de evitar relações, e sim de potencializar conhecimento e me dão a chance de conhecê-los um pouco mais. Quando toca o sinal na terça-feira de 10h20, sei que tenho de estar preparado para continuar insistindo com esta turma de que podemos mais, mas sei que também sairei dali com uma chance que me foi dada por eles de fazer o trabalho que acredito e que amo.
Aos formandos queridos deste terceiro ano, meu muito obrigado pelos poucos momentos que já vivemos juntos.

Ainda vem muito mais por aí!

Ai de vocês se ficarem acomodados por causa deste post!

Abraço à todos.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Reflexões sobre as competências de um treinador - Parte I

Este ano tenho conversado muito com dois influentes amigos no meu trabalho na escola e no esporte.
Falo de Ronaldo Pacheco e Jonatas Maia. Periodicamente temos nos encontrado para conversarmos sobre nossos trabalhos e para botar no papel algumas ideias que temos tido, mas que, devido a correria do nosso dia, ficamos impedidos de praticar com tranquilidade.
Nestes encontros formamos algumas parcerias e nem sempre os 3 estão diretamente envolvidos. Um tema que Ronaldo e Jonatas começaram a desenvolver juntos, tratava de uma discussão sobre as competências necessárias para o treinador esportivo. Acompanhei "de camarote" as discussões por email até eles produzirem este primeiro capítulo sobre esta temática. Como vocês irão perceber, o tema abordado será dividido em diversos capítulos e eu terei o prazer de dividir este material aqui pelo blog. Na primeira vez que li esta versão inicial fiquei pensativo e me surgiram muitas ideias e comentários. Então pensei: Se eu fiquei com tantas ideias após ler, imagina então os leitores que aqui frequentam e que se preocupam com esta formação continuada do professor que atua na área desportiva. 

Portanto, aproveitem a leitura e comentem!




REFLEXÕES SOBRE AS COMPETÊNCIAS DE UM TREINADOR


Em contato com a revista da Federação Espanhola de Basquetebol vi uma figura de um dado em que constavam as seis competências de um treinador de basquetebol. As análises feitas por mim a partir desta figura podem não estar de acordo com os professores que realizaram o estudo, mas os tópicos ali contidos me levaram a realizar algumas reflexões sobre os itens apontados. Para não tornar as análises longas e cansativas pretendo comentar em separado cada uma das partes destas competências.
As competências básicas relacionadas eram:
1 – COMPETÊNCIA EM COMUNICAR-SE.
2 – COMPETÊNCIA DIRETIVA E GESTORA.
3 – COMPETÊNCIA PEDAGÓGICA.
4 – COMPETÊNCIA EM APRENDER A APRENDER
5 – COMPETÊNCIAS EM CONHECIMENTOS CIENTÍFICOS E DO JOGO.
6 – COMPETÊNCIAS SOCIAIS E EM VALORES.
Ao escrever este texto, submeti-o a alguns colegas e o prof. Jonatas Maia fez algumas observações que acredito ter extrema pertinência a estes temas.
De acordo com o seu pensamento, o qual concordo plenamente, “é necessário declarar que estes tópicos, embora possam ser discutidos em separado, só fazem sentido caso sejam compreendidos numa relação de interdependência. A categorização nos ajuda a formular problemas específicos e cada um deles e isso certamente contribui no aprofundamento das reflexões, mas é preciso que no âmbito da formação de treinadores, estas competências sejam desenvolvidas e percebidas de maneira interligada. O que quero dizer é que acredito que só teremos a figura do “treinador competente” quando este tiver desenvolvido bem todos estes tópicos.
Justifico esta minha preocupação ao defender a idéia de que competência do treinador se estabelece pela integração de todas estas competências elencadas, pois, penso que é necessário superar a concepção de que existem técnicos (ou treinadores) só educadores e que estes não tem as competências necessárias para serem competitivos. Eu vivi um pouco disso quando da minha breve passagem como técnico de basquete. A propósito destas competências sociais e de valores, as quais penso ter desenvolvido, para muitas pessoas elas não são compatíveis com o esporte em sua manifestação do rendimento ou do esporte de alto nível. Não concordo com isso. Creio que estas pessoas que concebem o esporte de maneira equivocada, mas que se sustenta por ser uma idéia hegemônica de um esporte que só se realiza quando nos oferece a vitória, custe o que custar.

Outro exemplo de como só teremos o treinador competente caso este se valha de todas aquelas competências, é pensar no tópico sobre o conhecimento científico e do jogo. Esta competência não se estabelece sozinha, ou seja, não faz sentido caso esteja isolada. Há uma interdependência dela com a competência comunicativa, por exemplo.
De forma concreta, é só observar os pedidos de tempo dos técnicos de basquete na TV. É bem provável, que alguns deles dominem cientificamente o jogo, mas na medida em que poucos desenvolveram a competência comunicativa, a atuação deles perde muito em eficiência.”
Após estes comentários introdutórios gostaria de iniciar minhas reflexões sobre as competências sociais e em valores.
Este tópico é dividido em alguns subitens: 

- Aprender a respeitar e fazer-se respeitar; 

- Entender a responsabilidade de ser um treinador; 

- Ser capaz de formar pessoas além do jogador; 

- Dominar as técnicas de dinâmicas de grupo; 

- Entender o basquete como instrumento educativo; 

- Inserir valores e ser exemplo para os atletas; 

- Possuir a ética necessária para ser um treinador; 

- Conhecer as regras do jogo e sua aplicação por parte dos árbitros.







Vejo alguns pontos de destaque e que deveria levar a reflexão qualquer treinador em qualquer faixa etária ou grau de competitividade em que atue.
Inicio pela questão de aprender a respeitar e fazer-se respeitar. Este item me parece estar aliado a outros dois: Entender a responsabilidade de ser um treinador e ser capaz de formar pessoas além do jogador.


É sabido que para se ter respeito é necessário respeitar. Vemos na maior parte das equipes a exibição da autoridade do técnico e não o respeito entre os componentes. É necessário entender que a autoridade é algo concedido e não imposto, é algo conquistado e não determinado. A autoridade de um professor/treinador advém da sua competência como tal e principalmente da forma com que ele trata seus atletas/alunos. A responsabilidade de um professor/treinador vai muito além de ensinar o jogo, dirigir a equipe. Ao ser incumbido desta função o treinador deve se propor a formar pessoas, reforçar valores e a partir da sua conduta justa e coerente ser um exemplo para a conduta dos seus alunos/atletas. Na questão relativa a valores, os professores ensinam muito mais pelo seu exemplo do que pelo seu discurso.


Para ser justo e respeitoso é necessário enfrentar de frente os conflitos, que certamente surgirão, com colocações que permitam o diálogo e a exposição de idéias contrárias. Ao respeitar as idéias, respeita-se o indivíduo. Uma frase que marcou muito a minha vida e minha conduta é: “As palavras são fortes quando os argumentos são fracos”. Ter a capacidade de refletir e argumentar é algo que faz com que os elementos de uma equipe sejam e sintam-se respeitados.
O basquete, como todo esporte, deve ser visto com um instrumento educativo, como uma oportunidade de ação e reflexão sobre nossas condutas e principalmente uma excelente oportunidade de conhecermos melhor sobre nós mesmos e nossas relações sociais.
E vocês, o que pensam sobre isso?


Ronaldo Pacheco