segunda-feira, 20 de abril de 2015

Uma experiência marcante.

Criei esse blog para registrar minhas experiências profissionais. Como a vida de técnico esportivo e professor de Educação Física é recheada diariamente de momentos e decisões importantes sobre relações, comportamento, intervenções e mudança de hábitos, o professor acaba deixando passar diversos momentos que, na minha visão, precisavam ser registrados. E assim o blog foi criado, mas mesmo assim, não registrei nem 10% das situações e aprendizados que aqui gostaria de ter registrado. 

Pois bem, volto ao blog porque vivi nesses últimos 6 meses a maior experiência profissional da minha vida. Eu que sempre sonhei em ser técnico de basquete, que iniciei meus trabalhos em 1999, descobri no meio desse caminho que seria muito difícil um dia chegar em um nível profissional e em competições maiores. Isso porque o mercado é fechadíssimo, existem poucas equipe no Brasil e porque também faço parte de um perfil não usual no mercado: Não fui um jogador de sucesso, decidi trabalhar fora do eixo Rio-São Paulo e apesar de treinar equipes adultas desde o início, sempre tentei não abrir mão de trabalhar com a base, e há um senso comum bizarro no Brasil de que quem trabalha com formação "não dá conta" do ambiente profissional. 

Em um país onde são poucas as oportunidades de crescimento nessa profissão e em se tratando de um mesmo país que mal forma os seus atletas, gastando dinheiro principalmente no alto rendimento, imagina o que se faz na formação de seus futuros técnicos? Ser técnico desportivo no Brasil e sonhar em se desenvolver profissionalmente é saber que terá de gastar dinheiro para viajar, fazer cursos, gastar com suas próprias equipes, e claro, terá de ter empregos paralelos para que possa "bancar" esse sonho pessoal de estar atuando no desporto profissional brasileiro.

E a experiência que vivi nestes últimos anos da minha vida com esporte foi muito marcante porque passamos por cada etapa de crescimento na qual deveríamos passar. Um projeto voltado para atender a comunidade e praticantes apaixonados pelo basquetebol, em 4 anos, conseguiu transformar-se em uma equipe competitiva no Distrito Federal. Diagnosticando a nossa cultura da não capacidade em desenvolver atletas em maior quantidade, me aproveitei de uma safra em Brasília que acabara de passar da idade sub-22 da principal equipe do Distrito Federal e caminhava para abandonar o esporte e dedicar seus esforços para recuperar o tempo perdido no trabalho e estudos. Foi preciso um tanto de conversa para mostrar que era possível eles caminharem com a prática esportiva lado a lado com seus estudos e trabalho, já que somos ensinados desde cedo que no Brasil, para ser bem sucedido como atleta é fundamental largar os estudos e não fazer mais nada (infelizmente já vi "técnicos profissionais" tendo essa conversa com seus atletas de base). Montada essa base de atletas que acabara de perceber que suas carreiras haviam chegado ao fim e que tentavam criar uma sobrevida, complementei a equipe com atletas da cidade, que nem possibilidade de disputar uma competição sub-22 tiveram, pois há pouco espaço para muitos interessados e o esporte sempre promove essas lacunas dentro do seu famoso "funil" de aperfeiçoamento. 

Campeão do DF em 2013. Título que nos possibilitou alçar novos voos. 

O que nos restava era treinar. Treinamos nos horários possíveis, tentando dar o nosso melhor. E esse melhor nos levou ao título de campeão adulto do Distrito Federal. Algo que para nós fazia sentido pelo tanto que trabalhamos, mesmo que surpreendesse alguns outros. Automaticamente estávamos classificados para a Copa Centro-Oeste no ano seguinte. Como disputar algo em maior nível com a estrutura que temos tão simples e baseada no esforço de cada um? Recebemos então um apoio da instituição que representávamos. Ainda meio que sem saber como era isso e de que equipe se tratava, o UniCEUB, instituição na qual trabalho há 9 anos e que possui uma equipe multicampeã na modalidade, resolveu dar as condições básicas para que pudéssemos viajar, e disputar a competição com maior qualidade. Além disso, graças ao apoio, conseguimos trazer dois jogadores contratados para nos dar mais experiência a um grupo que de repente, começava a almejar coisas maiores. E vencemos mais uma competição. O campeão da Copa Centro-Oeste estava automaticamente classificado para a Supercopa Brasil(que corresponde como uma terceira divisão nacional) um mês depois. E com muito trabalho e abnegação de todos os envolvidos, um mês depois, éramos campeões da Supercopa Brasil, algo que nem nos meus melhores sonhos anos atrás eu imaginava chegar por este caminho. Com essa grande conquista para nosso nível, um novo desafio: Estávamos classificados para a Liga Ouro, divisão de acesso ao NBB. Bastava agora correr atrás de investidores que nos garantissem o mínimo de investimento exigido pela Liga Nacional de Basquete. E atrás fomos. 

Foto: Clas Mendes
Dessa vez, o UniCEUB deveria investir de maneira efetiva na equipe. E depois de alguns meses de negociação e muito aprendizado sobre os bastidores de como formar uma equipe profissional, surgia o Basquete CEUB, a profissionalização de uma equipe que surgira em 2010 para apenas atender comunidade que era apaixonada por basquete no Distrito Federal. A partir daí, foram 6 meses de viver apenas para isso, todos os dias, horas e minutos passados, tentando montar um formato mais próximo possível do profissional. Tentei usar tudo que já li e estudei sobre esporte, tudo que um técnico estuda e que nem sempre sabe se vai usar um dia, pois no Brasil não há planos de carreira para técnicos, não há garantia de crescimento e posso dizer que foram 6 meses de tentar transformar muitas teorias em práticas. Tudo o que também estudei em gestão de pessoas, para gerir o projeto, montar equipe não só de atletas, mas de profissionais ao meu redor para que o trabalho não fosse apenas dar treino, mas sim de se consolidar uma equipe com estrutura: física, de recursos humanos e de ações que integrassem a equipe, tanto em treinamentos, quantos em divulgação em redes sociais e em ofertar aos atletas uma estrutura básica para que pudessem se preocupar apenas em treinar com qualidade e se dedicarem ao máximo. Isso é o que eu acredito e foi o que tentei e tentarei sempre fazer. Há muitas correntes no esporte amador-profissional que se preocupa apenas em pagar salários e deixar com que os jogadores resolvam o resto e tragam títulos. Eu acredito que o ambiente esportivo é muito mais do que isso e diversas áreas precisam ser cuidadas. 

Foto: Clas Mendes
Foram 6 meses de trabalho intenso, de todos. E hoje, olhando pra trás, já com mais sabedoria do que emoção, percebo que tudo isso não foi capaz de levar nossa equipe a um nível mais competitivo. Não nos classificamos aos playoffs, vencemos poucos jogos e perdemos alguns que poderiam mudar nosso destino na competição. Pensando em esporte, totalmente normal esse acontecimento. Sempre haverá uma equipe campeã e também sempre haverá aquela equipe que não alcançou seu objetivo. Mas não dá pra achar isso normal quando a chance que se tem aparece na sua frente com traços de ser única. Em um país onde não se entende e não se discute de esporte profundamente, onde nossas avaliações são baseadas no senso comum do telejornal esportivo da hora do almoço, uma chance dessas é a chance de mostrar que é capaz, de que chegou a sua hora e de que você pode ter mais chances nesse meio. Mas não foi onde consegui chegar. Não consegui dar o resultado que gostaria à minha instituição. E trabalhei sempre pensando e acreditando que esse resultado era possível. Certamente a maior derrota da minha vida até agora. E hoje, olhando com calma e tentando entender que esses aprendizados não podem ser desperdiçados, percebo que errei no trabalho. Errei no direcionamento dado a ele e isso me custou a chance de disputar um playoff que por tantos dias fui deitar pensando nele. Como disse antes, agora conseguindo enxergar com a razão, até me empolgo em falar dessas falhas, pois sei que tenho condições de evoluir e que pra chegar onde cheguei, perdi muitos jogos e decisões importantes que naquela época foram "a maior derrota da minha vida". Logo, passado a tristeza pelo não êxito, me preparo para buscar mais do meu trabalho, para continuar indo além do que posso e para já colocar os aprendizados desses últimos seis meses em prática. Estudo esse esporte e suas variáveis todos os dias e sei que a tendência a cada erro meu é de melhorar e aprender, pois dentro da minha prática profissional não me acomodo com os conhecimentos adquiridos. Como diz uma frase que gosto muito do matemático e Prêmio Nobel, John Nash: 

"A cada fracasso meu, aumentam minhas chances de ser bem sucedido."

Foto: Clas Mendes
Mas vim aqui neste blog registrar esse trabalho de cinco anos de forma bem resumida por três grandes motivos. O primeiro de todos é de deixar claro que de uma certa forma e pensando estritamente no resultado, fracassei. Errei e por se tratar de um trabalho relacionado ao esporte, onde a tentativa, acerto e erro fazem parte do dia a dia de quem está no meio, errei e paguei com os resultados dentro de quadra. É importante deixar isso claro, pois não sou daquele tipo de técnico que quando perde procura explicar seus erros nos erros de arbitragem, nas lesões ocorridas durante o processo da competição ou no lento processo de entrosamento na montagem de uma nova equipe. Tenho certeza de que errei muito mais do que os árbitros possam ter errado em meus jogos. As lesões atrapalharam, mas todo técnico que se preze e que não refute suas responsabilidades sabe que lesões fazem parte do planejamento inicial e por isso não se monta uma equipe com 6 ou 7 atletas apenas e sim, um grupo bem maior (Existem "técnicos profissionais" que declaram que no basquete só se joga com 8 jogadores). E por fim, o entrosamento que custou a acontecer deveria ter sido melhor previsto por nós nos treinamentos e esse também foi um fator que atrapalhou todas as outras equipes por se tratar de uma competição de curta duração onde todas as equipes envolvidas estavam em formação. Por isso não posso em momento algum apontar para algum lado para explicar derrotas. Pois apontar para fora em um trabalho como esse, seria não me dar a chance de aprender e melhorar como profissional nos erros que foram cometidos de dentro. 

Em segundo lugar faço esse enorme, porém resumido post, para agradecer. Agradecer o imenso número de pessoas que torceram e contribuíram de alguma forma pelo crescimento deste projeto. Primeiramente aos três diretores do UniCEUB, que mesmo tendo uma equipe profissional em mãos resolveram apostar em profissionais pratas da casa a ir atrás de fazer um projeto enraizado na instituição crescer deste tamanho. Ao Dr. João Lopes Filho, ao Dr. Geraldo Rabelo e ao Dr. Homero Neto, minha gratidão pela confiança, entusiasmo e investimento do UniCEUB em nosso trabalho. Aos meus familiares por aceitarem minha ausência em troca de ir atrás de um sonho de criança, e aos meus amigos, colegas de trabalho e de paixão pelo mesmo esporte, que se sentiram representados vendo uma equipe criada na cidade, com atletas crescidos na cidade tentando representar o basquete da sua região pautados por um trabalho sério, comprometido, dedicado, mas que infelizmente por enquanto não foi o suficiente para levar àqueles que se sentiram representados mais adiante. 


E em terceiro lugar, resta o imenso agradecimento aos profissionais envolvidos diretamente no projeto. Atletas, comissão técnica, prestadores de serviços e estagiários. À todos vocês agradeço por terem se mantido juntos, intactos, dignos e por terem tentado dar o seu melhor até o nosso último segundo de jogo. Acredito que quando se faz algo de forma limpa, íntegra e com total dedicação, a chance de evoluir é grande, mas não garantida. Para isso, é preciso continuar seguindo firme enfrentando os próximos desafios. É nisso que penso agora e é isso que estou praticando desde nossa eliminação.


Vamos em busca de novos desafios, pois são eles que nos dão a chance de continuarmos crescendo. 

Grande abraço a todos e até a próxima!