sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Qual é a sua grandeza?

Abro o ano de 2013 aqui no blog, dividindo com vocês uma propaganda da Nike, que considero provocativa. Na verdade sou suspeito pra falar, pois costumo gostar bastante dessas propagandas de internet produzidas pela Nike. Gosto das imagens que eles selecionam e principalmente dos textos que são colocados sempre com uma boa narrativa.

Nesta propaganda, o narrador questiona a ideia de que nascemos com dom. A ideia de que nascemos prontos com nossos talentos e acreditamos que somos especiais. Ele brinca com a própria ideia de uma expressão muito usada por aqui de que "Deus é Brasileiro". E vai além: Diz que pensar dessa forma, que somos especiais, que estamos prontos é que nos acomoda, que nos faz ficar onde estamos e quem sabe sabote a nossa capacidade de crescer, evoluir, desafiar-se entre tantas outras possibilidades.

Ao invés de eu ficar aqui falando sobre o que acho da propaganda, melhor é dividir com vocês, não?

Segue o comercial:


Pois bem, tentando ficar alheio às intenções mercadológicas da propaganda, tentando extrair do vídeo o que há de bom para se refletir e após assistir algumas vezes essa propaganda, pensei em diversas questões que vivo ao trabalhar com esporte. É muito comum ao se tratar da prática esportiva, criar um maniqueísmo onde só existem dois lados: Sei jogar ou não sirvo para esporte ("E aí, Professor? Ele leva jeito ou não?"). Começo e pensar então em quantos alunos vêm com o discurso de que não sabem jogar ou não levam jeito e com o tempo de treino, resistem a aprender novos movimentos, situações de jogo, mas com o decorrer da prática, aprendizado e do esforço próprio, se transformam em outra pessoa?  

Quando comecei a pensar assim, minha mente foi longe e comecei a pensar realmente sobre as situações e realidades que me afligem ao trabalhar com esporte. Comecei pensando e questionando qual era a grandeza que existia no Brasil ao se falar de esporte e acabei respondendo quanto é a grandeza desse País maltratado por uma cultura diminuta quando se pensa em formação esportiva de qualidade. Na minha cabeça então vieram muitos questionamentos sobre a nossa grandeza:


É difícil pensar em grandeza quando vemos imagens recorrentes assim.
Quantas crianças e jovens não conseguem se desenvolver por falta de oportunidades, de praças esportivas com estrutura, porque na região em que vivem não existe continuidade para a modalidade que pratica e se interessa, ou sequer existe um trabalho de formação por lá? Quantas têm de ajudar no sustento da família desde cedo e têm de abrir mão de se divertir e aprender uma modalidade, para ter de trabalhar desde cedo, interrompendo uma infância e juventude que provavelmente não aparecerá mais?




Quantos professores/técnicos e formadores de equipes de base no Brasil pregam que um atleta não leva jeito, que já tem 15 anos(ainda tem 15 anos) e não aprenderá mais ou não tem "cacoete" para a modalidade, sem se importar com o desenvolvimento amplo, a longo prazo, ou com o próprio desejo do atleta em aprender mais e se tornar melhor? Quantos gostam de trabalhar apenas com o atletas "prontos"?

Quantos atletas deixam de treinar mais ou se desenvolver melhor porque são envolvidos por um discurso de que são talentosos e acabam criando um ambiente acomodador por família, técnicos e amigos, criando a imagem de que já são craques, já brilham e que agora podem curtir privilégios e o status de "estrela"? Como se os atletas bem sucedidos tivessem um momento em que parassem de treinar e se dedicarem ao esporte que praticam e de forma mágica continuassem no mais alto nível. 

Quantas escolas no Brasil têm uma Educação Física de qualidade, onde se explora o desenvolvimento motor, aliado às construções pessoais, afetivas, sociais e que ainda conseguem trabalhar o esporte como conteúdo, mas que consegue ir além, tratando das mais diversas possibilidades da área, legitimando o trabalho de Educação Física como uma disciplina formadora para a vida, desenvolvendo saúde, bem estar,  boa formação motora, auto-conhecimento e senso crítico? (Tema para futuros posts)

Quantos técnicos ditos de alto rendimento pedem para seus atletas talentosos ainda na base largarem a escola para fazer supletivo, pois no Brasil, se quiser ser um jogador de alto nível, não há tempo para estudar e é preciso treinar mais que os outros? (Acredite, existe muito isso! Infelizmente.) 

Quantos esportes são diminuídos em sua importância, pois somos o País do futebol? Esportes como o Handebol, que é um dos mais praticados nas escolas do Brasil, que teve sua melhor participação da história nas Olimpíadas de Londres 2012 com o Handebol Feminino e que ao perder para a Noruega (Que no fim das contas foi a campeã) foi tratada por meios de comunicação como "amarelonas", por ter perdido de virada nos minutos finais, como se o esporte não pudesse ter revés quando o derrotado somos nós?

Alexandra recebe a premiação de melhor jogadora de handebol do mundo.
Quantas Alê's (Ainda falando de Handebol, a brasileira Alexandra Nascimento foi considerada a melhor jogadora do mundo da modalidade agora em janeiro. Você ouviu falar disso nos noticiários? E se fosse o Neymar?) espalhadas pelo Brasil não terão a sua chance de se desenvolverem, pois nem sempre há um ginásio "remendado"e mal tratado com um professor abnegado tentando ajudar para dar oportunidades a estas atletas?


Quanto tempo esperaremos pelos próximos campeões solitários? Quantos Gugas, Diegos e Danieles (Hypolito), Arthurs (Zanetti), Daianes, Natálias (Falavigna), Sarahs (Menezes) e outros tantos atletas que despontaram mundialmente parecendo mágica, terão de carregar o peso de nossa não grandeza(seria pequenez?) no que diz respeito a formação no esporte?

Quantos que despontarão no esporte representando nosso País e não serão o primeiro ou melhor do mundo, terão um tratamento menor, como se tivessem fracassado em sua trajetória? Quantos sequer aparecerão nesse meio do caminho por falta de apoio já que não disputam o primeiro lugar?

Quantas vezes ainda nos emocionaremos e sentiremos o orgulho de ser Brasileiro ao vermos notícias de atletas indo a pé a treinamentos, treinando descalços por falta de condições, ou tendo no seu professor de Educação Física abnegado a única fonte de renda para treinar e se alimentar, ao invés de nos envergonharmos de sermos um País com tanta injustiça social e sem estrutura assim para formar pessoas para o esporte e para a vida?

Quantos espaços esportivos continuam se deteriorando? Quantas quadras construídas e usadas pra propaganda de políticos estão largadas e viraram espaço de usuários de drogas? Onde os atletas de atletismo do Rio de Janeiro irão treinar após a interdição para demolição do Estádio Célio de Barros, que vai virar estacionamento para a Copa do Mundo (É nossa!!!) 2014?

Quantos atletas foram beneficiados com o legado do Pan 2007 e quantos serão com o legado da Olimpíada 2016? Onde está este legado se os jovens não têm acesso aos centros esportivos, seja por localização, seja por falta de projetos sociais?



Quantos milhões estão sendo destinados ao esporte adulto com o discurso de que o foco no Brasil é estar entre os melhores em 2016 e para isso precisamos alavancar o esporte profissional? Quanto tempo ainda levaremos pra entender que formação esportiva leva tempo e não leva o tempo de um mandato de governo? Quantas gerações ainda serão desperdiçadas no momento em que ainda estamos olhando pra ponta ao invés de focarmos na formação, na educação, na base?


Texto que foi eternizado neste vídeo. Escrito em 2008,  está mais atual do que nunca. 


Quem lê o que escrevo nesse post e não me conhece pode até pensar que desisti do esporte e que não acredito em um futuro melhor. Mas é exatamente ao contrário. Preferi falar de nossa pequenez ao invés da grandeza, pra mostrar o quanto somos fortes mesmo com todas essas situações que as vezes parecem desencorajadoras.

E se temos algum nome mundialmente, se temos bons trabalhos espalhados pelo País (mesmo que muitas vezes "escondido") é porque temos profissionais que não desistem de fazer um bom trabalho, que amam o que fazem e que ainda acumulam energia suficiente para seguir em frente. Assim como temos um povo batalhador, que chega em casa tarde e acorda cedo para se dedicar, trabalhar duro e tentar "ser alguém", apesar de muitas vezes as situações e os "ventos" não estarem muito a favor. É por isso que ainda temos grandes nomes e grandes talentos. Porque somos grandes, porque nossa grandeza está dentro de nós, mas não está (infelizmente) ainda em nossa estrutura, em quem pensa o esporte no Brasil, em boa parte dos nossos gestores.

Me incomodo bastante com a forma "florida" que muitas vezes falamos do esporte no Brasil como se tudo estivesse bem. E este desabafo, proporcionado por um simples vídeo de um minuto de duração deverá ser a tônica do blog neste ano. Quero postar mostrando que temos falhas, que precisamos melhorar, e claro, sugerindo propostas de mudanças. Pensar em formação de qualidade não envolve apenas esporte, envolve economia, repasse de verbas a quem e onde precisa, projetos esportivos associados a urbanos e vinculados a projetos de saúde, um bom entendimento do que é formar bem por parte da mídia, plano de formação de bons professores com bons currículos e não currículos enxutos que formam com rapidez futuros professores sem base. Enfim, é muito mais do que aparece apenas nos noticiários esportivos da hora do almoço.

Nossa grandeza precisa aparecer em várias frentes, pois senão seremos pequenos com dimensão geográfica enorme e com discurso distorcido da realidade. Entre o que aparece na tv e o que acontece no dia a dia há um abismo enorme.

A grandeza de muitos atletas fez com que eles superassem muitas adversidades que acontecem com quem tenta ser atleta profissional no Brasil e nos encheu de orgulho nos representando ao longo dos anos em diversos esportes. Mas muitos mesmo tendo essa grandeza dentro de si, não conseguiram superar muitos dos obstáculos aqui citados e sucumbiram no meio do caminho, tornando-se "pessoas comuns", seguindo suas vidas sem a chance de tentar realizar seus sonhos. Esses não aparecem nas estatísticas, estão escondidos no meio de tantos outros brasileiros e essa é a prova de que não basta grandeza interior para desenvolver-se. É necessário estrutura, apoio e formação de qualidade. Ainda nos falta esses três pilares para sermos grandes.

Que 2013 possa ser um ano de crescimento para todos nós em busca de sermos maiores em diversos quesitos, principalmente no que diz ao nosso interior, à nossa base e não apenas da boca pra fora.

Abraço a todos!