segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Fora do eixo.. até quando?

Nessa época do ano normalmente vivemos de retrospectivas. Passamos os últimos dias do ano sem muitas emoções ou vivências marcantes. Tiramos os últimos dias para refletir o que fizemos, avaliamos e planejamos o ano seguinte. Era pra ser assim o meu fim de ano também, mas uma competição, confirmada em cima da hora, mexeu com meus planos de férias e me deu os ensinamentos mais marcantes logo no final do ano. Ensinamentos que já martelavam a minha cabeça e que ontem, ao final da competição, me fizeram ter a certeza de que precisamos continuar trabalhando duro.

Estou falando do NBB Sub-22, onde Brasília foi uma das sedes e que contou com a participação de 9 equipes, que divididas em dois grupos,  disputaram 4 vagas para para a próxima fase da competição.



Estive ali para acompanhar a equipe de Brasília. Equipe essa que já tive o prazer de acompanhar de perto muitos dos meninos que lá defendem o nome do Basquetebol da cidade. E é sobre esse tema que a competição me deu uma série de ensinamentos. Vou tentar descrever sobre essas aprendizagens que muitas vezes só o esporte consegue proporcionar de maneira tão emocionante.

Nasci no Rio de Janeiro, sou carioca com um orgulho tremendo, mas foi Brasília que me criou. Foi Brasília que me tornou homem e me fez apaixonar-me pela modalidade de Basquetebol. Crescer em Brasília e decidir trabalhar com Basquete aqui,  fora do eixo Rio-São Paulo, me fez aprender desde cedo que nem sempre estaremos sendo vistos ou avaliados como realmente merecemos. E não faço dessa fala um discurso de sofrimento ou vitimização. É justamente estar fora do eixo, fora do centro das atenções, ou fora do "mercado principal" do Basquete que me motivou a trabalhar com essa modalidade com mais força e vontade. Aqui em Brasília sempre foi feito um trabalho de qualidade, com pessoas envolvidas, estudadas e que querem o crescimento da modalidade em geral. Mas não fazer parte do "eixo principal" da modalidade é aprender que não deve se chatear com o que dizem, pensam, escrevem, falam ou deixam de falar sobre o trabalho em sua cidade.

E em uma cidade como é Brasília hoje em dia, com a equipe atual Tricampeã do NBB, a imagem que se tem é que temos o melhor time porque apenas contratamos alguns dos melhores jogadores do Brasil para compor a equipe. Concordo em parte com isso, principalmente quando vejo que em 10 anos de equipe em Brasília, quase não se lançou ou projetou um jogador dentro da própria cidade. Os meninos até hoje continuam tendo de sonhar em sair da cidade para receber uma real oportunidade de despontar na modalidade. Mas toda essa questão não diminui o trabalho que é feito na cidade. 


UNICEUB-BRB - Atual Tricampeão do NBB

Brasília no ano passado ficou com o 4º lugar no NBB Sub-22 e não era cotado para estar entre os 4 melhores. Mais uma vez em 2012 não citaram a equipe de Brasília entre os favoritos ou candidatos à estar entre os melhores. E fico me perguntando o porquê disso. Sinceramente acredito que fazem isso por dois motivos: O primeiro é que não conhecem realmente o trabalho aqui realizado. Como estamos fora do eixo sempre somos vistos como surpresas e não como realidade. Isso acontece mesmo, não dá pra acompanhar de perto todos os trabalhos.  E o segundo motivo é o que mais me preocupa. Na minha visão, vemos o esporte de forma reduzida e superficial. Conta-se o número de "estrelas" nas equipes e dá-se um somatório para avaliar se a equipe é boa ou não. Isso é uma distorção muito comum vindo do nosso querido futebol. Uma cultura que espalhamos para as outras modalidades. Não avaliamos trabalhos, processos e desenvolvimento. Avaliamos cestinhas, artilheiros e número de pontos. E quando alguém surge fora do prognóstico, tratamos como surpresa e não como fruto de trabalho árduo de longo tempo.

Assim vejo que aconteceu com os meninos Sub-22 de Brasília. Associados ao nome da equipe estavam os nomes Ronald e Isaac. Dois talentos da equipe que ajudaram e muito o resultado espetacular que esta equipe conquistou na tarde de ontem. Mas estamos falando de um esporte coletivo. E nessa equipe, os nomes vão muito além de Isaac e Ronald. Os nomes passam por garotos que treinam duro diariamente,que sonham com o esporte pra vida deles (mesmo com a triste realidade do esporte não ser tão profissional assim no Brasil), que fazem faculdade, treinam, ajudam suas famílias e a cada dia tentam se tornar mais equipe. Ronald e Isaac estamparam todas as notícias após a contundente vitória sobre Franca na tarde de ontem, garantindo o primeiro lugar de seu grupo, mesmo com declarações de técnicos de outras equipes que já davam o primeiro lugar para a equipe de Franca. Ontem eu vi um super jogo de Basquete. Vi uma equipe superando seus limites, uma equipe que praticamente não jogou o ano inteiro esperando essa competição, uma equipe que não tem um campeonato de base para se desenvolver na cidade enfrentando outra super equipe, campeã Paulista Sub-19 e que tem um trabalho fantástico.  Mas queria vir aqui postar para dizer que o time de Brasília não se chamava apenas Ronald e Isaac. Esse time também se chamava João, Gabriel, Vitor, Raphael, Matheus, Lucas, Guilherme, Luiz, André, Tchiêlo, Paulo, Jefferson, Breno e outros nomes mais.. Um time inteiro que se chamava David na camisa. Uma equipe que só ela sabe o que passou nesse ano ao perder um colega de quadra, dentro de quadra.

E aí novamente me pergunto: Até quando vamos ficar quase que individualizando um esporte que tem em sua essência a coletividade? Me incomodei por demais com a maneira que a equipe foi tratada. Nos bastidores a conversa de que Brasília venceu os jogos apertados e, portanto, não teria chances contra a equipe de Franca, que vencera seus jogos por diferenças de pelo menos 30 pontos. Isso não quer dizer nada (ou diz muito pouco) em uma modalidade que tem como tônica a coletividade e a capacidade de superação das equipes. O talento de Ronald e Isaac foram muito bem fomentados por uma equipe de jovens atletas que merecem respeito e admiração, mesmo não estando treinando em clubes ou equipes mais conhecidas no Brasil. Enquanto tratarmos o esporte como mágica, a formação como apenas rendimento dentro de quadra e resultados em apenas números, seremos um País com dificuldade de formar.

Ontem os meninos de Brasília deixaram uma lição escrita dentro de quadra. Não há como saber quem vencerá antes. O esporte é bonito porque é dentro dele que acontecem as decisões mais importantes. Enquanto existe tempo de jogo, existe a chance de se alterar o resultado. Mas no País em que vivemos de individualizar o esporte coletivo, temos ainda muita dificuldade de enxergar isso. Como disse antes, ontem vi um super jogo. Vi a equipe de Brasília jogando uma partida que ainda não haviam feito esse ano (Sei do que falo, pois acompanho esses meninos) e vi uma equipe de Franca tentando de todos os modos reverter o resultado. O que quase aconteceu no final da partida e que se acontecesse, seria recheada de méritos para a equipe Francana por nunca ter desistido de reverter o resultado.




Esse pra mim é o fascinante do esporte. A imprevisibilidade que assusta, mas que ao mesmo tempo gera uma chance de te fazer melhor e que te dá uma chance de se superar.  Mas enquanto vivermos de pragmatismos, de nomes, de preferidos antes da hora, estaremos simplesmente jogando fora a boa formação no Brasil. Ontem quem ganhou foi o Basquete, mas ainda temos a incrível mania de escolher heróis e vilões. Exaltar em excesso o vitorioso e rebaixar o derrotado.

Se falo isso estando em Brasília, um lugar que está fora do "eixo principal"(é o que dizem), mas não tão distante, imaginem quantos trabalhos fantásticos devem existir no Norte, Nordeste e outros locais que não acompanhamos. E por não sabermos, muitas vezes tratamos como um trabalho não tão bom ou efetivo assim. Esse é o País que quer sediar Olimpíada, que quer ser referência no esporte mundial. Um País que sequer sabe explorar tudo o que tem em si. Estamos distantes, muito distantes ainda.

Por isso agradeço a lição dada pelos meninos de Brasília ontem a tarde. Ver estes meninos jogando com a intensidade que jogaram (Logo eu que tanto já critiquei a intensidade deles!) me dá a certeza que devo continuar trabalhando duramente pela formação de novos esportistas. Esportistas da quadra, esportistas para a vida, mas que acima de tudo, não devem nada a ninguém em lugar algum.

Parabéns aos comandantes Laurindo Miura, Michael Rossi e Ronaldo Pacheco pelo trabalho de excelência que fizeram com estes garotos. Nós sempre soubemos que o trabalho de vocês dava resultados muito além, mas dessa vez o resultado também teve sua expressão em resultados.

Eu não queria estar na pele de vocês. Na próxima fase estarão sendo visados. Qualquer boa atuação não será mais surpresa e caso joguem mal terão "fracassado", segundo "especialistas". Será muito mais complicado passar para a próxima fase e repetir a colocação entre os 4 melhores como no ano anterior. Só o que posso desejar é que continuem trabalhando duro para continuarem tentando dar lições dentro de quadra. Fora dela essa equipe já me ensinou demais.

Brasília Sub-22: Se superando dentro de quadra e dando lição para fora dela.




Certa vez li uma frase do Dalai Lama que dizia: "Quando perder, não perca a lição."

Essa equipe foi além, me fez aprender com as vitórias. Vitórias de uma EQUIPE. Eles sabem do que falo.


Que em 2013 possamos cada vez mais abrir as portas do esporte para quem se interessa em trabalhar duro, de forma digna, honesta, mas acima de tudo com qualidade!

Um excelente 2013 a todos!