sábado, 18 de dezembro de 2010

O técnico e seus valores

Dividindo com vocês mais um artigo do Professor Ronaldo Pacheco que foi escrito nesta semana.

Aproveitem!

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TÉCNICOS FORMADORES E “TREINADORES”

Sei que em todos os assuntos que abordamos é muito difícil generalizar, mas me arriscarei a emitir minha opinião, já me desculpando e convidando para o debate os que dela discordarem.

No mundo sempre existiu dois tipos de pessoas: as que nasceram para fazer, construir, formar e outras que usufruem do que está pronto. No campo da educação, formação de pessoas e também na formação esportiva, esta divisão existe e a cada dia se torna mais evidente tornando estes dois lados mais distantes entre si no que diz respeito a sua visão de mundo.

Gostaria de abordar neste texto a questão dos técnicos formadores e dos técnicos que dirigem as equipes profissionais principalmente no basquetebol que é o esporte que possuo vivências mais próximas.

Não há dúvida que muitos dos técnicos que atuam nas equipes adultas iniciaram suas carreiras nas categorias de base formando atletas. No entanto ao alcançarem a categoria principal, parecem que esquecem seu passado de formador e acham que seu papel é apenas estar presente nos treinos, dirigir taticamente a equipe, fazer substituições e lidar amistosamente com a mídia. Quanto à formação de jogadores, esquecem-se que o trabalho com o jogador nunca está acabado, nunca é completo, pois todos sempre têm o que aprender, o que aperfeiçoar.

Quando percebem alguma falha técnica em algum atleta percebem que é mais fácil dispensá-lo e contratar novos atletas, ainda mais quando sua equipe dispõe de recursos financeiros para atrair jogadores reconhecidos. Este comportamento resulta em uma falta de evolução, e a estabilização de um nível de basquete que tem se mostrado insuficiente para os padrões internacionais.


Já o técnico formador se preocupa em passar os princípios do jogo não só nos aspectos técnicos do mesmo, mas uma formação integral do esporte, onde as dimensões cognitivas, afetivas e sociais são trabalhadas em conjunto. Não basta formar um atleta que execute bem os fundamentos, mas que não consegue ler o jogo, não sabe ser parte de um grupo, que se vê mais importante que a equipe ou que desrespeite os adversários e o próprio esporte que pratica. Talvez seja esse um dos problemas para que os técnicos de formação cheguem às equipes adultas, nesta categoria na maioria dos casos os fins justificam os meios e os resultados dos jogos sendo positivos tudo o mais passa a ser o de menos. Um técnico realmente formador não se ilude com resultados imediatos nem com a vitória momentânea.

Para piorar a situação vemos que os técnicos de formação, são muito mal remunerados (quando o são), trabalham em situações precárias e sobrevivem pelo ideal educativo. Muitos montam escolinhas esportivas onde passam a viver das mensalidades dos alunos, inviabilizando muitas vezes que garotos de talento, mas de baixo poder aquisitivo possam praticar o esporte que desejam.

Esta perversa lógica mostra que os que atuam na formação pouco recebem enquanto que os que trabalham na categoria adulta recebem bastante (dentro dos padrões nacionais). É a lógica de valorizar o que está pronto, sem atentar para a formação, para a nascente, sem perceber que a mina está secando, que existem mais compradores de ouro do que “garimpeiros” e que a “galinha dos ovos de ouro” está morrendo.


Estes técnicos de categoria principal que passam a ser em muitos casos apenas administradores dos egos inflados dos jogadores, são envolvidos pela admiração da mídia e acabam descuidando-se de controlar seus próprios egos. Mas nem tudo é alegria, porque estes mesmos técnicos são obrigados a se sujeitar as vaidades dos diretores e presidentes (de clubes, federações e confederações) que tem o poder de demitir e contratar de acordo com suas convicções baseadas muitas vezes em indicações políticas e de amigos. 



Alguns técnicos de categoria adulta, mais antenados com essa realidade que pouco valoriza a formação e enaltece a ponta da pirâmide, discursam enaltecendo o trabalho dos técnicos das categorias de base e da importância de um trabalho bem feito (mesmo sendo um discurso da boca para fora e com total ojeriza a eles próprios executarem). Outros ainda mais “autistas” e/ou “egocêntricos” desqualificam o trabalho de base culpando-o pelo fracasso do basquete brasileiro. Estes mesmos que apontam o dedo para a ferida aberta não disponibilizam sua “competência” para atuar nesta área realizando o “curativo” tão necessário para sarar este esporte desse mal que nos aflige há décadas.

O dilema está colocado: qual deve ser a ambição dos técnicos? Serem formadores enfrentando as inúmeras dificuldades na carreira ou tentarem alcançar o “estrelato” (???) dirigindo categorias adultas? Será um a sequência natural do outro? Será que educação integral e excelência são tão conflitantes?
No meu modo de ver, a diferença principal é que os técnicos do adulto passam pela carreira dos atletas deixando suas histórias gravadas nas páginas de jornal e nos vídeos televisivos. Os de base deixam sua história impregnada na vida e na conduta das pessoas.

Às vezes a diferença é entre valores e valores ($$$).


Ronaldo Pacheco