sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Uma viagem e muitos aprendizados - Parte I

Pela primeira vez neste blog vou fazer um post dividido em duas etapas. Como gosto de detalhar muito as experiências que vivo, quero não ficar me cobrando por estar escrevendo muito e deixar solto minhas impressões sobre essa recente experiência que vivi.
Bom... vamos lá!


Já fazem quase 3 meses que resolvi arriscar na minha vida. Trabalho hoje em dia na equipe de Basquete do Botafogo-DF como assistente técnico do meu amigo Professor Ronaldo Pacheco e junto de outro amigo e também assistente Michael Swioklo. Para tomar a decisão de ir trabalhar com esta equipe precisei tomar uma decisão de largar um trabalho meu numa escola que marcou muito a minha vida, mas isto é história para um outro post.

Pois bem, o nosso grupo é basicamente formado por atletas sub-19 (Com a maioria tendo entre 17 e 18 anos). Temos também alguns Sub-20 e apenas dois atletas na casa entre 20 e 30 anos. Formando um grupo de 24 atletas. Todos treinam juntos e disputamos tanto campeonato juvenil como adulto com a mesma base. A ideia nossa neste trabalho é ir galgando etapas no circuito inicialmente Brasiliense, para depois disputarmos a Taça Centro-Oeste, visando buscar a única vaga Centro-Oeste na Copa Brasil e aí sim, tentar conseguir uma vaga para o NBB.
Equipe do Botafogo-DF disputando o Campeonato Juvenil de Brasília


Quando me decidi largar meus outros trabalhos para me tornar parte deste, três coisas pesaram a favor dessa decisão. Inicialmente o projeto de chegarmos em nível nacional com atletas da cidade, coisa que não acontece com nosso representante nacional atualmente. Em segundo lugar porque temos uma geração de 17 à 20 anos em brasília maravilhosa, fruto de bons trabalhos de técnicos na cidade e isto me estimula porque faz com que eu tenha de reformular e potencializar meus estudos sobre basquete. Em terceiro e por fim o que me motivou também foi a chance de trabalhar com uma comissão técnica diferenciada. Ronaldo é um nome de expoente nacional que não precisa nem explicar e que trabalhei junto em 2004. Michael, com quem já trabalhei há dois anos atrás, é um fenômeno, é um técnico apaixonado pelo constante estudo dos aprendizados táticos e técnicos e busca incessantemente as novas tendências em basquete. Só eu sei o quanto esse cara tem me colocado pra estudar e desafiado meus conhecimentos.

Nessa trajetória toda tínhamos um desafio dentro desta primeira fase de campeonatos da cidade. Havíamos sido convidados para participarmos da VI Copa Minas Tênis de Basquete em Belo Horizonte na categoria sub-19. Esta Copa era uma possibilidade bem interessante de colocarmos à prova o trabalho que vínhamos desenvolvendo com estes meninos. Pela combinação de nossas agendas, Ronaldo e Michael não poderiam viajar na época em que seria realizada a Copa e aí vi que este teste também seria direcionado em grande escala para a minha pessoa.

                                   


Neste torneio teríamos as equipes do Ginástico (MG), Cetaf (ES), Flamengo e Fluminense (RJ) e o Minas Tênis Clube, uma equipe que conta com bons valores na categoria como Cauê Borges, recém vindo de Franca, Bruno Irigoyen, que foi seleção Brasileira sub-18 neste ano e Raulzinho, o nome mais citado entre nós durante nossos treinos e que hoje em dia não precisa mais de apresentações.

Cristiano, Cauê, Bruno e Raulzinho
Atletas Juvenis do Minas e da Seleção Brasileira de base


Só a presença destas equipes participantes já nos motivaram bastante em nossa preparação para esta viagem. Para mim, seria um momento importante de me aproximar mais dos atletas com os quais convivo diariamente nos treinos e também de me relacionar e conhecer melhor outros técnicos que admiro no cenário do basquete nacional. Estava diante de um desafio muito bom de ser vivido.

Neste final de semana conto aqui como foi a nossa experiência nesta competição.

Abraço à todos.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Um esporte completo exige um suporte completo.


Hortência foi responsável por esta declaração após o Mundial Feminino de Basquete
"Várias vezes ligamos para a psicóloga no Brasil para ver o que poderíamos fazer. Elas lidaram muito mal com a derrota, o técnico se perdeu. Quando começaram a engrenar, já era tarde. Um dia, eu fiquei às 3h da manhã procurando música para um vídeo motivacional que ia passar para as meninas. Não acho que tem necessidade de levar um profissional de psicologia e vou continuar não levando"



Ontem recebi uma mensagem de email de minha amiga Mariana. Mais uma pessoa com quem fiz amizade nas quadras. No trabalho diário. Mariana mostrava-se inconformada com a declaração de Hortência sobre o mundial de basquete feminino, onde afirmava que a equipe mostrava-se desestruturada emocionalmente, mas que mesmo assim manteria o trabalho nas comissões técnicas  sem um psicólogo presente. Enfim, isso gerou revolta não só na Mariana, como em outros sites de basquete que andei lendo hoje cedo.

É complicado entender que na ponta do Esporte Brasileiro, numa Confederação de um esporte que consideramos belo e complexo, não se pense em agregar informações e uma equipe multifuncional que possa trabalhar os mais diversos valores para o melhor rendimento da equipe. Mesmo achando que o problema gritante do Basquete Brasileiro Feminino é de ordem técnica, de formação de base e de campeonatos sucateados, a declaração de Hortência mostra que se nem a Confederação Brasileira de Basquete tem um olhar a longo prazo para as diversas dimensões do esporte, onde será que teremos no esporte Brasileiro, que em sua base vive um amadorismo sem fim com professores abnegados que sustentam trabalhos sozinhos e com estruturas precárias que limitam o aprendizado da modalidade pelo País à fora, um trabalho que preze pela qualidade da informação passada aos seus atletas?

Neste momento posso dizer que sou um privilegiado. Tive a possibilidade de conhecer esta mesma Mariana numa situação assim. Mariana é psicóloga e no ano passado teve a chance de fazer um trabalho de acompanhamento psicológico de uma equipe de basquete juvenil de Brasília comandada pelo professor Ronaldo Pacheco. Mariana queria testar seus estudos, colocar em prática suas ideias e supervisionava um grupo de psicólogos que acompanhavam a equipe. Mais a frente, tive a chance de conhecê-la melhor  fazendo um trabalho parecido na seleção sub 17 do Distrito Federal e pude neste ano que passou, aprender bastante sobre o trabalho que um psicólogo desportivo pode acrescentar à uma comissão técnica e à atletas tanto em formação quanto adultos. Digo isso porque após este trabalho, Mariana passou a acompanhar dois atletas de Brasília que disputavam o NBB e que de alguma forma também puderam crescer profissionalmente com o respaldo de uma profissional que acrescentava na sua formação esportiva. 

Assim que recebi o email da Mari, um pouco ainda indignada com a declaração de Hortência, lancei um desafio a ela e perguntei se não gostaria de escrever um pouco sobre essa triste realidade Brasileira que não valoriza áreas complementares na formação esportiva. 
Transcrevo aqui a resposta quase que imediata dela:


"Missão dada é missão cumprida!!!
Jamais me esquivaria a um desafio seu!!!"


Segue então o relato dela sobre o episódio.



"A primeira vez que entrei em uma quadra de basquete sem a obrigação de jogar, foi 13 anos após o fim da minha curtíssima carreira. Entrei para “trocar idéia” com um técnico de basquete após indicação de uma amiga; segundo ela, ele dava total apoio à Psicologia do Esporte. Fui preparada apenas para um papo, mas ele me convidou para sentar no banco... era dia de jogo!!! Assim o fiz, e comemorei silenciosamente. 
Desde então comecei a frequentar os treinos e os jogos, de olho em tudo... em todos os mínimos olhares e movimentos dos atletas, percebendo o nervosismo daqueles que se diziam “calmos” durante a partida enquanto eles seguravam um copo d’água durante o tempo técnico. Com ajuda deste técnico, consegui supervisionar in loco cinco estagiários, que exerceram papel de psicólogos ativos do esporte; auxiliando o técnico, coletando dados, fazendo scout...


Mariana fazendo parte da comissão técnica também durante os jogos.

Devo isso e muito mais ao Ronaldo Pacheco, que pouco depois me convidou a integrar a Comissão Técnica da Seleção sub – 17 de Basquetebol Masculino do Distrito Federal, juntamente com Rodrigo “Galego” e Michael.
Batalhei, fiz um pouco meu nome em Brasília e parei em um time dito “de ponta”, considerado o maior do basquete nacional atualmente. Trabalhei com apenas dois atletas, sempre com algumas dificuldades, mal acostumada pelo Ronaldo, afirmava que meu lugar era no banco, nunca fui ouvida; respeitada em silêncio pelos dois atletas que eram acompanhados por mim, bem relacionada com todos que ao serem campeões do NBB me disseram que eu também era parte daquele título. Agradeci mas me esquivei dessa atribuição por saber que não contribuí 100% para todo o time.
Hoje, ao ler as declarações de Hortência proferidas no programa Arena SporTV, percebi que o retrocesso chegou ao esporte que aparentemente mais abria as portas para a integração de um psicólogo nas Comissões Técnicas. 

Fiquei sentindo como se eu tivesse pego o caminho contrário, passei por um estrada maravilhosa; asfalto liso onde eu podia acelerar, mais a frente peguei uma estrada sinuosa e com buracos; mas eu podia me manter nela, e de repente a estrada acabou, não havia mais caminho para seguir ou curva para dobrar... o jeito era me achar no meio da confusão. O contrário para mim faz mais sentido.

Cada dia percebo como o psicólogo do esporte é facilmente substituído por um dinheiro a mais diante de uma vitória, por uma palestra motivacional com duração de uma hora com qualquer profissional da psicologia organizacional ou até por massagem no lóbulo da orelha diante da ansiedade pré competitiva...
Todo dia me pergunto quando poderei seguir naquela estrada maravilhosa novamente... quando poderei sentar no banco com o uniforme da Comissão Técnica como meus outros colegas? Quando serei compreendida como profissional e perceberão a integração entra tático, técnico, físico e psicológico? Quando poderei propor uma metodologia de trabalho em longo prazo (e não aparecer uma vez por semana, por 1 hora e sem a menor possibilidade de formar vínculo com os atletas), sem acharem que sou guru, mágica ou curandeira?
Voltando a declaração da Hortência, ela me assustou tanto pelo amadorismo quanto pelo momento; justamente na mesma semana em que o presidente do COB, Sr. Carlos Artur Nuzman, declarou que o Brasil pode ficar fora das Olimpíadas de 2016, que serão realizadas... aqui, por falta de estrutura.


Lamento por esse tipo de pensamento sobre o acompanhamento psicológico ser propagado por uma das figuras mais conhecidas do basquete nacional e mundial, destoando totalmente da realidade e da aceitação do esporte, ao menos eu já vivi dias melhores mesmo passando o rodo com pano para limpar a quadra, pegando água, carregando bola, buscando uniforme... na hora em que eu falava, todos me ouviam; o que muitos deles faziam com a informação eu não posso dizer, porém eu tinha liberdade para me expressar e defender indiretamente minha área, essa declaração é típica de quem não conhece o real trabalho de um psicólogo em quadra, pois ficar até às 3 da manhã procurando uma música para um vídeo motivacional para passar para as atletas durante o Mundial na República Tcheca, sem domínio e conhecimento do conceito de motivação e da real função de um vídeo motivacional; é no mínimo perder tempo, pois a psicologia do esporte já está bem além disso.

É preciso bom senso dos dirigentes e de todos que mandam e desmandam no cenário esportivo nacional, diretrizes precisam ser apontadas e a integração do psicólogo é urgente; a formação de vínculo com os atletas, a aplicação de testes e questionários, as entrevistas e sessões individuais são algumas das funções do psicólogo que precisam ser aceitas e respeitadas.

Para Hortência, gostaria de deixar apenas um recado: o lugar do psicólogo é no banco junto com a Comissão Técnica e não do outro lado da linha."




terça-feira, 5 de outubro de 2010

Técnico de Basquetebol: Vocação, preparação ou experiência?

Aproveitando a correria dos dias para atualizar com mais uma coluna interessante do Professor Ronaldo Pacheco


    *                                                                  *                                                    *




Durante muito tempo tivemos ex-jogadores comandando escolinhas esportivas ou equipes de alto nível, baseando seu trabalho em suas experiências anteriores, sem buscar informações atualizadas sobre psicologia, administração esportiva ou desenvolvimento humano. Quando muito, se atualizavam em cursos técnicos ou oficinas de basquetebol que tratavam muito da técnica do jogo, alguma coisa da tática, e quase nada sobre os temas acima mencionados. Hoje já começamos a notar uma melhor seleção na escolha de técnicos com formação em educação física, que procuram se atualizar a partir da leitura de livros e trabalhos internacionais nas diversas áreas que envolvem o treinamento esportivo.

É lógico que ter conhecimento da parte teórica do jogo não assegurará sucesso na carreira de técnico, no entanto o embasamento teórico é um suporte fundamental que será melhor desenvolvido a partir da experiência prática do jogo, da análise dos seus erros e acertos e principalmente na humildade para ouvir e assimilar críticas construtivas.



Um técnico é o responsável por todo o funcionamento de uma equipe e, quando me refiro a “funcionamento” estou me referindo ao tratamento da complexa engrenagem de um grupo social que se propõe a atuar em conjunto, em prol de um objetivo comum. Esta “máquina humana” para conquistar seus objetivos deve estar ajustada nos seus relacionamentos (estar coesa); deve estar disposta a um sacrifício coletivo a partir do sacrifício individual (cada um contribuir da melhor forma no desempenho do seu papel para o sucesso da equipe); deve ter um conhecimento do jogo nos seus aspectos táticos e um bom desenvolvimento dos fundamentos técnicos para que possam ser devidamente utilizados dentro da tática. Estas diversas tarefas são complementares e necessitam de um planejamento e acompanhamento incessante por parte do técnico. Não se pode admitir que o tratamento que um técnico dê a estes aspectos seja feito de forma empírica. Por isso a necessidade de estudos, planejamentos e aprofundadas análises críticas do seu desempenho.


A partir de estudos e das observações proporcionadas por estes anos na prática do basquetebol, me vi muitas vezes adotando posturas que me fizeram refletir sobre os diversos tipos de conduta dos técnicos ao lidar com sua equipe:
  • Técnico Torcedor: Confunde a paixão pelo clube ou pelo esporte com a sua função. Tem atitudes completamente passionais. Exclui do grupo os que não estão dando resultados imediatos. Quer a vitória incessantemente, sem fazer uma análise racional das condições de trabalho, da própria equipe e do nível da competição. No banco, grita , xinga, torce e dá poucas instruções úteis à equipe. Perde a cabeça com o juiz cada vez que o mesmo comete qualquer erro. *
  • Técnico Exibicionista: Considera-se o eixo central da partida. Coloca a culpa nos jogadores sempre que a equipe perde. Suas broncas são sempre em voz alta para que a torcida possa sentir a sua presença e seu pulso firme com a equipe. Quando a equipe está perdendo com grande diferença, fica quieto, mostrando ao público que não faz parte daquele grupo perdedor. Faz pedidos de tempo desnecessários para que notem sua presença no jogo. Fala sempre na primeira pessoa: “minha equipe”, “meus atletas”, em compensação quando as coisas não vão bem diz: “a equipe perdeu”, “eles não mereceram a vitória”, “a equipe não teve garra”, etc. Se isenta da responsabilidade quando o resultado não é favorável.
  • Técnico Autoritário: Todos devem seguir as suas idéias. Não cabe a ninguém da comissão técnica, muito menos aos jogadores discutir suas opiniões, devem cumpri-la; Assume os erros, mas não aceita as críticas.
  • Técnico Bonzinho: Conhece os princípios básicos do jogo, mas nunca entra em confronto com as idéias dos jogadores para não criar problemas para equipe. Prefere abrir mão de algumas convicções de jogo para não ferir o ego e algum atleta que ele julgue muito importante para a equipe. Procura agradar a todos para que seja do agrado de todos também.
  • Técnico Teórico: Estuda o jogo, conhece bem os diversos procedimentos técnicos e táticos, mas tem dificuldade em transmiti-los aos jogadores. Não tem paciência com os erros por achar a execução muito simples; Não consegue lidar com os aspectos emocionais dos jogadores. Na maioria das vezes não consegue entender as situações de fracasso já que fez tudo de “acordo com o manual”.
  • Técnico Democrático/Educador: Aberto ao diálogo com toda a comissão técnica e jogadores. Discute com a equipe suas opiniões. Tenta fazer com que toda a equipe compreenda as opções tanto táticas como técnicas. Preocupa-se com as questões particulares de cada um. Entende os erros, corrige-os e admite suas próprias falhas. Sabe respeitar a individualidade de cada jogador, suas características psicológicas e seus momentos emocionais. Assume as responsabilidades pelas derrotas perante os outros, porém conversa com sua equipe sobre os erros que a originaram tentando corrigi-los. Sabe ouvir as críticas sem levar para o campo pessoal. Sabe chamar a atenção na hora e da forma devida. Faz valer a sua autoridade pela competência demonstrada.
É claro que posso ter “caricaturado” as situações acima expostas, mas creio que nós técnicos, já passamos por algumas dessas fases em diversos momentos de nossa atuação. O importante é que possamos fazer uma análise para que possamos atender as nossas perspectivas em relação a esta profissão.

Ser técnico de uma modalidade tão complexa como o basquetebol exige bastante conhecimento nas diversas áreas ligadas ao jogo e ao relacionamento humano, portanto, respondendo a provocação do título do artigo, creio que para ser um bom técnico de basquetebol é necessário, muito conhecimento teórico (obtido através do estudo incessante), o aproveitamento das experiências vividas (com uma análise criteriosa) e um pouco de vocação. Tudo isso cercado por uma grande dose de paciência, obstinação e sentir a necessidade de estar aprendendo sempre.